23.9.15

Diário de Bordos - Preveza, Grécia, 23-09-2015

O miúdo faz um esforço hercúleo para não se calar. Chora há quase meia-hora. Alguns passageiros dizem schiu! , mas o puto não lhes liga mais do que aos pais, quando estes ainda tentavam calá-lo. Agora abandonaram a ideia de todo.

Regra geral aguento bem os choros infantis, mas este começa a exasperar-me.

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O puto calou-se, finalmente e agora corre pelo avião feliz da vida. Tento dormir - tenho outra vez uma fila inteira de cadeiras para mim - mas falta-me uma almofada.

Há pouco tempo estive num voo no qual duas senhoras se zangaram por causa dos miúdos de uma delas. Uma era espanhola (a mãe ) e a outra inglesa (a que "estava farta"). Pegaram-se numa discussão tremenda. Fossem as duas espanholas e ter-se-iam batido. Tiveram de ser separadas. Uma delas veio sentar-se ao meu lado, mas não conversámos sobre o assunto. Estávamos quase a chegar, de qualquer forma. Foi num dos voos do transporte da Escócia, talvez o da ida.

As viagens de avião são difíceis de distinguir.

O café é imundo.

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Uma noite em Gatwick e voaram cinquenta aéreos. E não cometi nenhum excesso: jantar comprado no M & S e pequeno-almoço "tradicional". Vão roubar para a estrada, teria o meu Pai dito. Mas isso era antigamente. Agora é muito mais rentável roubar nos aeroportos, com os seus milhões de clientes "cativos".

Cativos mas não cativados.

O único excesso foi uma garrafa de vinho que acabei por não beber. Um quilo a mais na bagagem e cinco libras a menos no porta-moedas (era a garrafa mais barata, claro. Uma Shiraz australiana. Talvez seja decente).

Fica para quando chegarem as tripulantes. São duas, jovens e bonitas, pelo menos nas fotografias dos curricula. Uma sul-africana e outra inglesa. Juntas ainda ficam longe da minha idade. Enfim, pelo menos muda das tripulações sempre masculinas.

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Preveza fica numa provícia grega chamada Etoloakarnania. É no Oeste do país. Se eu visse bem e a terra não fosse redonda veria a Itália. Assim não. Só vejo o pôr-do-sol, os barcos da marina e a miúda inglesa, que já chegou. É de uma eficácia e competência espantosas. O barco também é porreiro, um Victoire 1270 (outra marca que não conhecia). Holandesa, desta vez. Os holandeses fazem barcos magníficos, regra geral. Este não deve fugir à regra.

Passei dois anos de rastos, mas se isto continua assim quase que os vou agradecer.

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Estou de t-shirt pela primeira vez em semanas, bebo um ouzo, hoje comi tarama e souvlaki ao almoço. Agora vou comer um tzatziki. Percebo os turistas, mas fico contente por não ser um deles. Prefiro ir para o mar numa embarcação que será quase de certeza boa e com uma tripulação da qual metade pelo menos o é de certeza.

A chegada foi tão bonita... O chauffeur de táxi começou por me roubar, mas pouco, meia dúzia de euros (tinha indagado o preço numa loja do aeroporto. Faço sempe isso, não para não ser aldrabado mas para saber em quanto (e pôr um travão, se for caso disso). O contraste com a Dinamarca não podia ser maior: fiquei a pensar na história do velho continente. Parece que não estou no mesmo planeta, quanto mais no mesmo continente.

Pensei sobretudo na minha capacidade de gostar tanto de tantas coisas tão diferentes entre si. a Grécia e a Dinamarca, o S. que levei da Coruña para Copenhaguen e o Ph., que agora vou levar para perto de Marselha. Vinha no táxi. O chauffeur conduzia para ele, não para nós. Rápido, indiferente, calado, com aquela dignidade reservada dos povos mediterrânicos.

Em Scheveningen um dia fui fazer um serviço para o barco e voltei de taxi para bordo. Estava a chover e não se pode, como em Genebra, chamar um carro na rua. Fui para um café e pedi à empregada que me chamasse um. O café ficava numa rua pedestre, mas a rapariga explicou-me que o senhor viria provavelmente pela pequena rua que ficava à minha esquerda. Não veio. Chegou pela direita, de chapéu de chuva na mão, fato e gravata, cordato, bem arranjado. Cinco minutos pela rua de peões, com o senhor a segurar o chapéu de chuva e eu a perguntar-me se estava a sonhar. Paguei pela corrida um pouco menos do dobro do que teria pago em Lisboa, mas foi muito mais barata.

Aqui o chauffeur tem pior aspecto do que teria em Lisboa - fez-me pensar no de Niro do Taxi driver, mas como não sou mulher não me entusiasmei por aí além -. E enganou-me no preço; pouco, ainda por cima. E foi burro: não quis esperar na marina para onde lhe disse que íamos e onde o barco não estava, como me pareceu imediatamente. Está numa muito mais perto do aeroporto.

Os campos não estão arranjados como na Dinamarca. Parecem-se mais com os de Portugal. A cidade não é grande coisa, creio. Não sei.

E apesar de tudo gosto tanto disto como gostei da Dinamarca. Não é de espantar que as minhas namoradas sejam tão diferentes umas das outras.

Era nisto que pensava enquanto o homem nos levava (a tripulante afinal estava no mesmo voo) para uma marina que não era através de campos que também não eram e com uma condução que tão pouco era.

Um conjunto de coisas que não são é tanto como um das que são.

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Vou enfim dormir. Na Dinamarca estive de passagem;  aqui de passagem vou estar. Parece-me que só no sono estou, apesar de não ficar.

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