Foi uma viagem mediterrânica: de zero a nove Beaufort tivemos tudo. Felizmente pouco pela proa. Com excepção da primeira noite quase não houve bolina. O temporal veio no fim, entre as Bocas de Bonifácio e Fos. Um dia e algumas horas de força sete, oito, nove, oito, sete. Foi cansativo: K. não podia fazer leme e R. fazia-o mal. A certa altura um helicóptero da marinha francesa veio dizer-nos que estávamos a entrar numa zona de exercícios militares com fogo real, mísseis, submarinos e todos os brinquedos com os quais os militares gostam de treinar. Perguntou para onde íamos e deu-nos um ponto para sair do perímetro dos exercícios: oito milhas para Sul e vinte para Oeste (o que se compreende porque o meu rumo era Nordeste. Se fosse Sudoeste aposto que teria de ir para Norte e Este). As vinte milhas para Oeste eram uma alheta, quase popa arrazada. Mais uma carga de leme e de tranquilização de tripulantes. R. "não estava confortável". Eu tão pouco, mas por causa do cansaço, só.
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Não há problemas de dinheiro, preocupações, má consciência, mau estar generalizado que ver o Stromboli a duas milhas ou um temporal não resolvam. Soluções de curto prazo, é verdade. Mas oh quão eficazes.
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A primeira noite foi aborrecida. Mar curto e desencontrado, tão típico do Mediterrâneo; um squall dos fortes, demasiado precoce para quem ainda não conhece bem a embarcação; e tráfico a mais para a minha paz de espírito.
Depois o vento caiu e consegui voltar ao rumo.
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Hoje perguntei a R. se no RYA não davam cursos de humildade. Não percebeu bem à primeira, de modo tive de insistir.
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Marselha é uma cidade que parece estar sempre a rir-se. Os estivadores estão em greve? Marselha ri-se; não estão? -às vezes acontece... - Mais uma gargalhada. O mesmo com as greves do pessoal do lixo (outra grande clássica), com as obras públicas permanentes - só conheço uma cidade que rivaliza com esta nesse aspecto: Genebra (hoje fui almoçar ao meu bem-amado Café des Arts e as obras estavam exactamente onde as deixei em 2007 ou 2008) -; e outras greves e outros désagréments: Marselha ri-se.
O Falafel está fechado para férias. Vim comer ao Bistrot à Vin. Têm pratos leves e a carta de vinhos parece um roteiro para o céu. Amanhã de manhã vou tratar do computador, aos correios enviar a papelada do transporte e depois para Genebra ver família e amigos.
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A superioridade do transporte ferroviário sobre o transporte aéreo começa nas estações: alguém conhece um aeroporto que seja mais bonito do que qualquer estação de caminho de ferro?
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Um corpo cúbico com um sorriso permanente por cima, como as nuvens na serra de Sintra.
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Devia estar a escrever ou a dormir, mas estou a embebedar-me com três mulheres em Marselha. Duas são bonitas, inteligentes, engraçadas e lésbicas. Estão apaixonadas, e o amor vê-se-lhes como a espuma das vagas num dia de vento forte.
É bonito o amor quando quem ama o é também.
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Gostar de Marselha é fácil: quem não gosta de uma velha gaiteira e inteligente que já viu tudo e finge que ainda tem vinte anos?
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.