15.9.15

Diário de Bordos - Scheveningen, Países Baixos, 15-09-2015

Regresso à Holanda pela primeira vez em dois anos. Ou terão sido três? Não sei. Pouco importa. Da última vez cheguei num barco a motor de vinte e seis metros, Agora, num veleiro soberbo de dez e setenta. O resto não mudou: tempo cinzento e frio, mulheres construídas como vigas de telhados, uma língua que parece um ataque de catarro.

A marina é bonita, enorme, com barcos bons e bem tratados. Barcos de quem gosta de mar e tem dinheiro para isso. Que longe estou de uma marina francesa e  respectiva colecção de antiguidades, velharias, improvisos e ruínas flutuantes.

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Que dizer da viagem? Um barco magnífico (Hero 107, uma coisa norueguesa rápida, confortável no mar, bem construída, manobrável, sensível ao leme); armador simpático e tripulante confiável. Bom tempo em geral: entrámos em Scheveningen antes do temporal chegar. Só tivemos uma noite de porrada. Pouco vento - das cerca de cento e trinta e duas horas de mar cem foram a motor -; nenhum susto em particular; agência decente, que paga a tempo e horas e tem mais trabalho.

Parece-me que mudei de planeta, finalmente.

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La Coruña é uma cidade comestível: é praticamente impossível comer mal. Da carrada de restaurantes retive dois:

- A Pulperia de Melides, na Praça de Espanha 16. O polvo não estava excelente na textura, mas pareceu-me mais questão de azar do que de competência. O tempero estava perfeito. A fila de espera faz-me crer que não sou o único a pensar assim.

- O Viñedo de Tito, Travessa Estrecha de San Andrés, 4. Uma tascazinha escondida e longe do bulício, bonita, com excelente comida, serviço e ambiente.

Em Scheveningen até agora só um, bastante recomendável: Browcafé Dehofnar, na marina. T. queria comer um bife. Ficou desiludido. Eu não. Carne boa e tenra bem assada não me desilude nunca.

Já que estou em fase de recomendações (ou registos para so futuro, vá lá saber-se): um hotel barato e bom no Porto: S. Marino, Praça Carlos Alberto 59. Perto da Cedofeita, numa praça bonita e calma.

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Ontem no Browcafé Dehofnar.

Quero pensar que o casal à minha frente é um casal adúltero, mas não é preciso. Salta aos olhos de um cego. Ela chegou primeiro. Ele uns dez ou quinze minutos depois. Começou por sentar-se à frente da senhora, cara bonita mas não laroca. Mostra-lhe o computador que acabou de comprar - ainda está na embalagem (é um Toshiba. Sabe o que quer). Falam de banalidades. (Não percebo uma palavra de holandês, mas percebo de banalidades).

Ele depressa muda de lugar, senta-se ao lado da senhora, mas de frente para ela, costas para a sala. Não é preciso ser um especialista em comunicação não-verbal. Dele só vejo as costas. Dela a face, à qual raramente aflora um sorriso. Mais frequentes são as lágrimas, contidas, breves.

Pouco se tocam. Quero pensar que estão a reavaliar a relação. Tão pouco é preciso. Ela não pára de mexer os dedos, não como se estivesse a malaxar plasticina mas como se os próprios dedos fossem de plasticina.

Vão-se embora juntos. Quando se separarão? Lá fora, daqui a uns dias, uns meses? Porque é que algumas caras têm "sofrer" escrito nos olhos, no olhar?

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Dois dias de mau tempo, dois dias de calma e outra vez dois de temporal. A viagem para Copenhaguen vai ser variada. De lá sigo directamente para a Grécia, levar um Hans Christian 48 para Marselha.

Gostava de passar pelo menos dois dias para conhecer a cidade, mas não sei se terei tempo. Sou imune a tentações totalitárias, mas cada vez menos o sou às turísticas.

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