Deambulo pela memória do dia afogado em chá verde. Recentemente vi um eclipse da Lua, mas só depois me apercebi de que era um eclipse. Isto é, quando a Lua voltou a encher-se. Quando saí de quarto a Lua estava cheia e quando voltei para o quarto seguinte, três horas mais tarde, mal se via. Pensei que era por causa de uma nuvem, apesar de a Lua estar redonda, só com uma pequena fracção claramente delineada. Depois vi que era um eclipse.
Não sei quando verei outro, mas não era essa a memória do dia. Ou melhor: essa foi uma das memórias, mas não foi a única. Durante o dia lembrei-me do eclipse e agora lembro-me de tudo o que me lembrei durante o dia, como se o dia não quisesse acabar. Talvez seja por isso que fiz um bule cheio de chá verde, para ele não acabar.
Ou eles: o chá e o dia. Dias que se recusam a acabar, como se dormir não fosse parte deles.
Preciso de ler mais autores portugueses, mas hoje também pensei em Alejandra Pizarnik, uma argentina que se matou jovem. Tinha trinta e seis anos, era depressiva. Tomou barbitúricos. Escrevia poemas bonitos, com duas palavras evocam uma vida, descrevem a solidão, explicam a morte.
Depois voltei a pensar no eclipse, naquela Lua da qual só se via uma sombra pálida e uma unha e voltou a ser Lua cheia, próxima, resplandecente. Não me lembro do tempo que estava, mas já devia estar vento pois só dormi três horas.
O chá está frio. A memória do dia - ou deveria antes dizer as memórias do dia? - também. Pensei nos contos de Mário de Carvalho, nas primeiras vezes que fui a Viana do Alentejo (onde passei o dia) e em outras coisas. Apercebo-me agora de que não me lembro de todas as vezes que fui a Viana nem de todas as coisas nas quais pensei durante o dia.
Talvez o devesse esquecer, em vez de tentar lembrar-me de tudo o que me trouxe à memória e ao pensamento. Ou então pensar nas coisas em que não pensei. O Panamá, por exemplo. Não pensei no Panamá? Duvido: lembro-me claramente de me ter lembrado da Little Crew House em St. Martin, de como gosto tanto dela e gostava tão pouco. Também pensei na quantidade de coisas das quais não gosto imediatamente e gosto a posteriori. Um bocadinho como o eclipse da Lua do outro dia, no mar.
Talvez seja melhor esquecer o dia, agora que o chá está frio e de qualquer forma já pouco resta. Talvez amanhã não reste nada de hoje.
Não sei se é uma boa ideia deambular por Viana do Alentejo. Também pensei no mar, em como gostaria de estar no mar apesar de só estar em terra há duas semanas.
Talvez seja melhor o dia acabar. Ou acabar eu com ele.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.