25.10.15

Diário de Bordos - Lisboa, 25-10-2015

Acredito pouco na "mudança" e menos ainda que quando a há é para melhor. Tem dias. Ontem foi um desses dias e hoje também. Não me posso queixar: dois seguidos de como as coisas poderiam ser...

Ontem fui jantar ao Estoril de bicicleta e voltei. Uma hora e meia para lá, um nadinha menos para cá. Ouvi uma buzinadela à ida e uma daquelas gesticulações que os condutores portugueses usam para mostrar que são mentecaptos quando não têm outro método à vinda. É um recorde. Aliás, a buzinadela nem sequer foi das agressivas, foi só para dizer veja-me, como se os ciclistas fossem cegos (surdos nunca somos, valha-nos isso).

Hoje fui à Gulbenkian. Perguntei se podia guardar a bicicleta no interior porque não tenho cadeado. A recepcionista disse-me "no bengaleiro" e lá fui, burra na mão a pensar como vou dizer à senhora que preciso de deixar a Vitus Turbo no bengaleiro? Não foi preciso dizer nada. Ela viu-me chegar, apontou para a porta, pus a bicla lá dentro, recebi uma chapinha e até já, obrigado.

Há dias e dias e um dia haverá muitos mais como estes dois.

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Para o Estoril fiz tudo o que podia por dentro e pelos paredões. Para cá vim sempre pela Marginal. Na verdade nem sequer é preciso fazer pistas cicláveis. Basta reduzir a velocidade dos automóveis, encher a Marginal de gincanas, vasos de flores, canteiros, esplanadas. Aquela avenida é um luxo, não uma via de circulação. Quem quer deslocar-se que vá para a autoestrada. Na Marginal só deve andar quem quer apreciar a beleza da foz do Tejo e o mar.

De Cascais a Lisboa há duas autoestradas.

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Duas boas exposições no CAM: X de Charrua e Tensão e Liberdade. Não conhecia António Charrua, mas a exposição parece bastante completa e pedagógica.

Charrua, principalmente na última fase parece-se demasiado com Tàpies; não me impressionou por aí além mas fez-me pensar na importância que a originalidade tem na pintura. Na literatura um neo-realista lembra todos os neo-realistas; o mesmo com um surrealista, o nouveau roman ou, sei lá, a poesia concreta. Incomoda-me menos do que olhar para um quadro e ver um pintor diferente daquele que assina.

Ou então os quadros são demasiado parecidos, não sei. De qualquer forma isto aconteceu apenas nos dos últimos anos. Antes disso não me é de uma originalidade avassaladora, mas tão pouco me chocou.

Já a outra é obrigatória. Um vídeo de Beckett que vi algumas três vezes e uma sala inteira dedicada a Bruce Nauman chegam para justificar a ida venha-se de onde se vier. O bónus de uma exposição de arte contemporânea em que o n'importe quoi está em franca minoria reforça a obrigatoriedade.

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A peça de Beckett era Not Me. Uma boca a falar em grande plano, a toda a velocidade, durante onze minutos.

O génio artístico consiste em saber simplificar, identificar e cortar o supérfluo e não descrever as coisas mas dar a ver de onde vêm, ou onde chegaram. O que está antes ou depois é paleio.

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Frango em vinho tinto à minha maneira: paprika, cominho e coentros moídos, noz moscada, pimenta. Cebola às rodelas grossas e muito alho.

Quatro horas de forno a baixa temperatura. Devia ter levado uns coentros frescos ou salsa, mas apesar disso ficou bom.

Ocorreu-me que devia dar às receitas um nome simples: Frango, 25/10/2015, por exemplo. Mas imagino-me a explicar às pessoas a diferença entre Guisado, 12/08/2003 e Guisado, 09/11/2014 e a ideia seduz-me menos.


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