O vento mudou, claro. Ficou mais forte. Comecei o dia no galope do mastro e lá passei grande parte da manhã, a instalar a tricolor.
Perguntam-me muitas vezes se não tenho medo de estar ali, pendurado numa "cadeira" a quinze ou vinte metros de altura.
A resposta é um não qualificado. Por vezes tenho. Os primeiros minutos, por exemplo. Quando tenho uma faca ou uma ferramenta pesada na mão e penso no que acontecerá ao barco se a deixar cair.
Mas depois o trabalho absorve-me; e a vista, sublime. Esqueço-me de ter medo, faço o que tenho a fazer, volto para baixo e apercebo-me de que mal tenho força nas pernas para andar.
Sim, é um privilégio. O resto é conversa.
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Hoje avançámos muito. Fazer reparações numa embarcação da qual se gosta - e merece, como é o caso desta - é um prazer sem fim.
Em todos os sentidos: o processo é circular. Da lista de coisas a fazer escolhe-se um conjunto delas que se começam. Nenhuma, sabe-se à partida, vai avançar linearmente: para esta é preciso uma peça, para aquela um técnico que só está disponível "amanhã", a outra é mais complicada do que parecia. O barco fica um caos: paneiros levantados, locas vazias (e respectivo conteúdo espalhado por tudo quanto é sítio), técnicos a entrar e a sair (isto é um bocadinho faz-de-conta. Na realidade nunca aparecem quando disseram que vinham), viagens ao ship chandler seguidas de sessões de improvisação. Avanca-se em quatro ou cinco ou seis frentes ao mesmo tempo e nada avança excepto a desordem.
Pouco a pouco aparecem os primeiros V na lista. A desordem é a mesma, claro, porque o que ficou pronto é o mais simples. Ou por outra razão qualquer, da ordem do bruxedo.
E depois um dia apercebemo-nos, com uma mistura de espanto, gratidão e alívio de que só falta uma coisa: limpar e arrumar. Quase todos os itens a lista têm o V - uma injustiça, esse tracinho tão simples esconde horas de trabalho e dólares às carradas -; os que não têm ficam para a próxima escala.
O barco volta a parecer um barco e se se tiver tido sorte e nada tiver caído do mastro (longe vá o agoiro) - ou de mais baixo - não ficaram marcas. Tudo funciona outra vez. Ficamos a conhecer e a amar mais e melhor o bote.
Ser capaz de raciocinar em espiral, de lidar com a ausência de linhas direitas e estruturas rígidas, capacidade de se adaptar e gerir o imprevisto: o mar não é decerto a única profissão que requer este género de qualidades, mas é a mais bonita.
Pelo menos quando fazemos estas coisas todas em St. Martin, a meia dúzia de metros do Lagoonies e a vista que se tem do galope do mastro é a laguna mai-las baías adjacentes e as colinas que nos separam de Philipsburg, com sol e vento e o barco é uma beleza e qualquer dia estamos a caminho de Atenas para uma viagem de dez mil milhas.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.