28.7.16

Diário de Bordos - Cambrils, Catalunha, Espanha, 29-07-2016

Uma carpinteira francesa de vinte e dois anos chamada Emeline (isto não se inventa); uma stew, chef, deckhand alemã de quarenta que vive em St. Martin, quer ser capitão de uma embarcação e está bêbeda como um marinheiro; e - infeizmente por pouco tempo - o capitão destas duas senhoras, um francês que não deve andar muito longe da minha idade e no qual reconheço à primeira vista um igual.

O capitão foi-se embora muito cedo; deixei o cartão à jovem francesa com instruções claras para me chamar caso precisasse de ajuda para levar a alemõa (aleóptima) para bordo. E vim procurar um sítio que à meia-noite esteja aberto, tenha wifi e onde possa escrever enquanto carrego as baterias do computador. Cambrils é uma seca sem fim. O mar, todos os dias o confirmo, não.

Saí de bordo às oito da noite; gastei demasiado dinheiro; confirmo que ganhei - é inapelável - peso; lembro-me da história da compra de um livro ontem.

É uma história bonita. Fazia alguns dias que precisava de um livro como por vezes preciso de amor, cerveja, comer ou navegar. Estava de bicicleta e passo à frente de uma loja de gelados. Ultimamente tenho andado a falhar um bocadinho com o controle de açúcares e ooops, ecco, falho outra vez. Na porta ao lado está uma livraria, na qual naturalmente entro, gelado na mão. Que não posso entrar com comida. Saio e como o gelado a mata-cavalos. Re-entro. Que a livraria está a fechar. Que eu quero comprar só um livro. Que entre. Qual é o livro? Não sei. Pensava que sabia qual era o livro que queria. Que não sei. Olhe este. Não quero, obrigado. Não me apetece ler policiais. Mas este  é um bom policial. Sim, mas eu não quero. Que costuma ler? Borges, Mujica Lainez, Marguerite Yourcenar.

A senhora leva-me para outra estante e estende-me um livro de Vila-Matas cujo título me interessa imediatamente: "Bartleby y compañia". Compro-o e mal saio da porta a cortina de metal da livraria começa a descer. Antes de um fósforo se apagar num dia de vento a cortina está a esmagar a burra, que resiste vitoriosamente. Tenho o livro numa mão, a mochila na outra e a bicicleta a tirar dali. Não sai à primeira. Sai à terceira ou quarta. A cortina cai com estrondo. A senhora sai finalmente da loja para ver o que se passa.

O livro custou nove euros e cinquenta e foi o dinheiro mais bem gasto dos últimos duzentos e cinquenta anos.

.........
O café que encontrei com wifi e tomada para o computador vai fechar. Ainda não é uma da manhã. A única pergunta é: Lisboa, porque me abandonaste?

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