A última vez que estive em Puerto Bañus foi também a primeira. Foi em 1975, ou coisa que o valha. Vim com um americano maluco, a quem preguei o susto da vida dele porque enjoei e escondi-me num paiol à popa onde, vá saber-se porquê, me sentia menos enjoado. O barco era minúsculo, note-se. "Paiol" é um exagero ou um preciosismo. Vinha com o irmão do H. V. D., que muitos anos mais tarde haveria de tornar-se meu amigo. "Puerto Bañus mudou!" Claro que mudou, idiota. E se não tivesse mudado seria igual: não me lembro de nada se não do preço exorbitante que paguei por um café. Era de manhã muito cedo e apanhei logo uma camionete para não sei onde e depois um comboio para casa.
Os preços continuam exorbitantes; do parque automóvel não falo sequer: nos trezentos metros que separam o A. do shipchandler vi dois Ferraris e um Lamborghini. Porsches, BMW, Mercedes, Lexus e coisas do género nem conto. Seria preciso um daqueles aparelhos que as tripulações dos aviões usam para contar os passageiros a bordo.
Verdade seja dita que não me interesso muito nem por automóveis nem por dinheiro. Mas essa falta de interesse sofre um abanão ou dois de vez emquando. Aqui foi mais do que um abanão, foi um tremor de terra. O carro do armador é um Bentley descapotável e pareceu-me estar num Renault.
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A. é um barco bonito. Não é tape à l'oeil, é elegante e por dentro tem uma decoração bastante jeitosa. M., o tipo que toma conta dele e a quem indirectamente devo o trabalho - não quer ou não pode (foi um bocadinho confuso) passar três semanas com o armador /. É simpático, mas não foge à banalidade cilindradora do meio: "o anterior skipper não mantinha o barco em condições (com um argumento maravilhoso: "se eu gastar muito dinheiro o armador vende o barco e eu perco o trabalho" - isto contado pelo M., claro. O outro morreu), el fartou/se de trabalhar no barco, etc.". O habitual.
M. define-se como construtor naval mais do que como skipper - o que explica porque não quer fazer a viagem, diz-me a intuição - e diz também que se fartou de reparar coisas a bordo. A ver, como dizia o ceguinho. Assim de repente o barco parece-me um bocadinho sujo de mais, mas como não faço tenções de o limpar (há no mínimo para uma semana de trabalho a tempo inteiro) não digo nada.
Veio mesmo a calhar, essa é que é essa. O resto é conversa. O armador é Libanês, parece (M. não está seguro). Passa os invernos em Miami, os verões em diferentes países europeus onde tem casas e deste três semanas no barco. Se eu tivesse este tipo de massa não passaria uma semana em Cannes em Julho; mas não tenho e faço como para a limpeza (apresso-me as esclarecer que as partes habitáveis estão limpas, impecavelmente). Sábado largamos e como os senhores não querem navegar mais de oito horas por dia vamos levar uma semana a lá chegar. Outra para regressar e uma lá.
Podia ser pior, forçoso é reconhecer.
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E é isto, mais coisa menos Ménière (do qual estou farto até aos cabelos), mais tropeção menos uma pergunta para a qual não tenho resposta: como fazer para deixar esta vida?
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.