16.10.16

Diário de Bordos - Riviera Beach Marina, Flórida, EUA, 16-10-2016

Fui almoçar. Isto não devia merecer reparos: todos nós almoçamos todos os dias; ou pelo menos quase todos nós quase todos os dias.

Mas este almoço - do qial voltei com uma mão cheia de histórias - fez-me ver porque quero mudar de vida. Ou então, pelo contrário, do que gosto nesta. Quero ir almoçar e voltar com um almoço no estômago, não com uma mão cheia de histórias na cabeça. É que são tantas que um gajo não sabe por onde começar.

Do mais simples para o mais complicado: hoje falei com o cozinheiro de um "restaurante" (as aspas são quase injustas, se comparadas à estação de serviço Marathon do outro lado da rua) italiano que nunca bebeu vinho na vida. É guatamalteco e pagou cinco mil dólares para vir da Guatemala para aqui, faz agora sete anos. Tem duas irmãs, um irmão que também está em West Palm e das duas irmãs tem oito sobrinhos. Oito. O rapaz tem trinta anos, quando muito. Já tem a sua casa na Guatemala "quase pronta". "Mas que não se pense que foi fácil. Não foi". "Uma vez no México passei dezoito horas imobilizado, de pé. Assim" e mostra-me: põe-se de pé, uma mão como se estivesse a agarrar uma pega  de um autocarro. "Não me podia mexer", explica. "O veículo estava cheio, cheio". Chama-se Ali (ou parecido) e está ilegal nos Estados Unidos. "As pessoas pensam que nós vimos para aqui porque gostamos. Não é. É porque precisamos".

Foda-se. Cinco mil dólares? E eu reclamo quando pago mais de mil para vir de avião e acho que viajar de avião é uma merda?

O "restaurante" - uma tasca infecta, mas estou farto da estação de serviço até aos cabelos - não serve álcool. Um dos funcionários da marina dissera-me que para comer devia ir ao Publix, que "tem um deli e tudo". Pensei que fosse um centro comercial, mas não é. É um supermercado. Comprei uma garrafa de vinho tinto - um Jacob's Creek dois terços Shiraz e um terço Cabernet Sauvignon que por nove dólares me pareceu a melhor opção (pelo menos era uma das mais baratas) - e voltai à Pizzaria Romana.

Pedi almôndegas à Parmigiana. Não estavam más, mas foram-me servidas num copo de styrofoam por uma empregada feia e mal-encarada, combinação mortal s'il en est. Tinha a garrafa de vinho embrulhada nos sacos de plástico do supermercado e ninguém me disse nada. Vá lá. Estava preparado para ir beber lá fora, como agora vão os fumadores fumar, mas não foi preciso.

Ali explicou-me que ela tem muitos problemas pessoais e não sabe fazer a diferença entre os seus problemas e o trabalho. Quero que a mulher se lixe, para dizer a verdade. Voltarei lá para falar com o Ali. É o meu lado missionário, estúpido ou masoquista, não sei. É um gajo porreiro e merece beber mais vinho.

.......
O trabalho não está a avançar e isso deve-se inteiramente a mim. Sou uma péssima mulher a dias, não há nada a fazer. O problema é que gosto de ordem e limpeza. Ou eu mudo ou mudo  as condições de trabalho.

Algo me diz que o mexilhão da história sou eu.

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