17.10.16

Diário de Bordos - Riviera Beach Marina, Flórida, EUA, 16-10-2016 / II

Não há muita volta a dar-lhe, pois não?, se não ouvir Hildegarde e pensar que fiz num dia o que podia ter feito num quarto de dia, trabalhando devagar; e pensar que amanhã será melhor, ou depois de amanhã, ou quando o diabo quiser. É sempre assim: às vezes mais valia ficar na cama com um bom livro e uma má companhia.

Até ao fim: mudei de antro para jantar. Já não posso ver a estação de serviço à frente. À tarde a senhora dissera-me que hoje, excepcionalmente, fechava às nove, mas normalmente fecha às dez. O que me chamou a atenção foram os hot dogs pure beef a um dólar cada. Qualquer gajo que tenha passado mais de meia hora nos Estados Unidos duvida. Alguma coisa não bate certo nesta história, mas que se lixe. Vamos aos hot dog a um dollar, pure beef .

Cheguei às oito e um quarto e o homem - já não era a senhora - estava a fechar. A máqina dos hot dogs estava desligada, mas ele "tinha acabado de tirar dois" que ainda "estavam mornos" (aspas porque cito). Vendia-me os dois por um dólar. Enchi-os de mostarda, levei um à boca, soube-me bastante bem (verdade seja dita que já não posso ver os burritos do outro) e catrapás. Cai-me tudo ao chão. Uma salsicha (pequena, muito pequena) e três quartos de outra (idem) perdidas, o chão amarelo de mostarda e eu vermelho de raiva incontida (não é verdade. Há muito que aprendi a não ceder à raiva quando estas coisas me acontecem. É a expressão de um desejo: gostaria de estar vermelho de raiva. Não estava). Fui comprar uma lata de mini-salsichas, enchia-as de mostarda e foi esse o meu jantar.

O homem não me debitou as salsichas que caíram ao chão e como prémio falei com a Barbara, amiga da ilha Bastimentos, no Panamá, a quem devo um daqueles momentos de solidariedade marítima que marcam um gajo. Convidei-a para jantar. Disse-me que tem um Jeep velho e pode vir até West Palm.

Oiço Hildegarde von Bingen: é a única música capaz de explicar isto tudo, de dar sentido a um dia que parece vazio e acaba com uma Lua cheia hipnotizante, a perspectiva de rever a Barbara e a certeza de que em breve terei de compensar isto tudo com um ritmo de trabalho que me vai limpar a alma, a consciência e a memória.

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Todas as segundas-feiras recebo um e-mail do Statcounter a dizer-me quantas pessoas foram ler este blogue durante a semana precedente. É uma coisa à qual ligo relativamente pouco, metade por cepticismo metade por falta de interesse.

Hoje contudo a coisa diz-me que tive uma média de oitenta e três pageloads por dia. Média. Na segunda-feira passada, por exemplo, foram dezasseis. Mentiria se dissesse que não me dá prazer ver que a audiência do coitado do DV está a aumentar. Claro que dá. Mas mentiria tanto ou mais se dissesse que compreendo quem lê isto, com tanta coisa boa que há por aí para ler.

Enfim, seja pelo que for: aqui fica o meu obrigado grato e reconhecido a quem vai lendo estas coisas. Prometo que nunca mais pensarei que escrevo como faço xixi: não é bem por querer. É mais porque tenho de, quer queira quer não.

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Hildegarde, hilfe.

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Imensa gente pensa que ser skipper de uma embarcação de recreio (pelo menos destas pequenas, até setenta pés) é um trabalho cheio de glamour. Não é verdade, obviamente. Se fosse, eu não seria skipper. Seria mulher a dias.

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Por pouco que tenha feito (fiz) o barco está diferente, melhor. A noite magnífica, com o vento ligeiramente mais fraco mas ainda fresco, a lua cheia (acho que já aqui o mencionei; está tão bonita que não é de mais), um cata lindo de morrer pela proa. Chama-se FAT CAT (acho que posso dizer o nome). Começou a sua vida como uma plataforma de sessenta e quatro pés para day racing: dois cascos e um trampolim no meio. Hoje tem oitenta pés, um salão, camarotes e um poço a ré com um chapéu de sol. Parece uma ex-miss que envelheceu com "graça e majestade" (aspas porque cito: Pedro Tamen).

Amanhã ou depois o vento vai cair: as nuvens altas mal se mexem e as baixam andam,  mas devagarinho. Que bom seria se se mantivesse assim até eu largar daqui. Seria um voo, a viagem. Vai ser curta, com vento ou sem ele. Tenho tanta vontade de chegar às Bahamas...

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Escrevo à luz de uma lanterna: não tenho luz no salão; troquei a Hildegarde pela Bartoli. Vou bebendo pequenos goles de rum Cruzan, um rum das USVI (de St. Croix, mais específica e explicavelmente) que não é nada mau. Parece o Mount Gay em projecto, o que já é apreciável.

Vou lá para fora. O resto fica para amanhã. A noite está bonita demais. 

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