11.9.17

Diário de Bordos - Lisboa, 11-09-2017

Para quem não sabe: o melhor café do mundo é uma livraria e chama-se Ler Devagar. Fica em Lisboa - mais precisamente em Alcântara, numa coisa chamada Lx Factory -. É aqui que hoje me embebedo (devagar, porque sou um rapazinho obediente). Bebo Colonels fictícios - a Ler Devagar não vende sorvetes, de modo vou à geladaria que lhe fica à frente e só tem sorvete de limão com manjericão (também conhecido por basílico) - enquanto oiço Smiths, a-b-s-o-l-u-t-a-m-e-n-t-e apropriado ao dia, à tarde e ao espírito da coisa.

Devo dizer que comecei noutro sítio - num restaurante chamado Beira-Rio que por acaso (mas só por acaso) é um dos melhores restaurantes de Lisboa. Foi no Beira-Rio que a minha lenta e inocente escorregadela começou. O calor e a Lx Factory fizeram o resto.

Acho bem que as pessoa se embebedem devagar, como lêem, fodem ou cozinham (isto é considerar que faço parte do grupo "Pessoas", assumpção que não é líquida, por assim dizer). Estou contente: ainda não comprei um único livro (os livros são uma forma estúpida de gastar dinheiro que nos faz falta para bebidas, porque as bebidas actuam imediatamente e os livros têm, por vezes, de esperar duzentos anos) e tudo indica que resistirei - ou pelo menos comprarei livros baratos, cuja pressão sobre a consciência se não os ler é menor -.

Vi a Maria João M., cada vez mais bonita - aquela mistura de olhos nos quais me poderia afogar com cabelos brancos nos quais me poderia estrangular é uma promessa de morte deliciosa -. E vim à Ler Devagar, durante um ano a minha casa e que ainda hoje me faz pensar que Lisboa é para mim uma colecção de casas nas quais não vivo, uma colecção de ruas nas quais não durmo, uma colecção de cafés nos quais por vezes me embebedo devagar, uma colecção de miúdas das quais acho lindos os olhos, uma colecção de misturas nas quais por vezes poderia morrer e outras ressuscitar, uma colecção de vidas, mortes, olhos e livros na qual nado como se a felicidade fosse uma piscina (não é: não passa de uma ilusão de óptica).

Tudo isto com a cabeça em Évora, milagre daquela mistura de cabeça e de Évora que tem um nome começado por C., palavra esdrúxula (são as mais interessantes) e sorriso infinito.

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Data funesta, a de hoje.

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