Personagens:
Senhoria: chinesa, dona do prédio todo. Só fala mandarim. É gananciosa, desconfiada e deprimida. Errática, lunática, confusa. Frequentemente esquece-se de que para gerir um hostel em Portugal é conveniente falar inglês e ou português.
F., gestor / explorador do hostel: jovem dinâmico, malaio de origem chinesa. Fala inglês, mandarim, cantonês, taiwanês e provalmente malaio, claro. É proprietário de uma guest house na Malásia e veio para Portugal porque se apaixonou online por uma jovem sino-lusa. Gere - isto é, geria, quando cá cheguei - os dois primeiros andares; o terceiro era gerido pela proprietária. Agora gere os três andares, no seguimento de vários episódios.
D., funcionária do hostel, a estalajadeira: jovem simpática e bonita que faz a ponte entre os hóspedes, a senhoria e F., o gestor (que de resto em chinês não se chama F.: adoptou um nome europeu que dá mais ou menos para todas as línguas. Não sei se tem uma relação com o seu nome chinês). Para além de bonita é inteligente e estuda japonês. Trabalha muito porque a senhoria despediu - num esforço de contenção de custos - outra funcionária com quem cheguei a cruzar-me brevemente. Nem sempre está no hostel, o que é compreensível, para dizer o mínimo. Na sequencia de um dos episódios F. forçou a senhoria a readmitir a colega para as limpezas, pelo que se pode esperar mais continuidade nesse importante segmento da actividade hoteleira.
Disse que a senhoria é lunática mas não é bem verdade: muda de opinião mais depressa do que a Lua muda de posição no céu. Talvez "comética", se existisse a palavra a definisse melhor. É gananciosa e desconfiada: pensa que F. a rouba, mas como não sabe falar português nem inglês está ligeiramente limitada.
D. e a senhoria comunicam ou via F. ou via Google translator. Mostram-se os telefones uma à outra, como se estivessem num jogo qualquer de cartas ou de futebol.
Enredo:
Já estive para sair do hostel três vezes, já me mudaram as condições duas e hoje, quando perguntei a F. se a situação com a senhoria estava estabilizada ele respondeu (a tradução é minha):
- Isso não te posso dizer. Com esta senhora nunca se sabe. Nunca nada está estabilizado.
No último episódio não fui a única vítima: D. passou a noite a empacotar tudo - pertences dela e de F. porque íamos todos sair (eu por solidariedade e porque não queria depender directamente da senhoria; é preciso um amortecedor e tradutor, eventualmente) - . De manhã quando saí para o pequeno-almoço (que em princípio estaria incluído, mas a senhoria cortou nos custos e o café deixou de ser potável; só há Nescafé, diluído homeopaticamente: um grão de pó de Nescafé para dez litros de água) estavam os dois sentados em tranquila cavaqueira. Deduzi acertadamente - ganhasse eu dinheiro com a minha intuição e seria mais rico do que o Gates e o Buffet juntos - que não sairíamos. Não saímos.
Comentários:
O hostel tem algumas qualidades - é limpo (quando a jovem e adorável estalajadeira anda por cá, o que nem sempre acontece. Agora por exemplo está de férias: como íamos todos sair F. deu-lhe uma semana de férias, de que ela aproveitou uns dias para ir ao Algarve com o namorado e uma amiga), está bem situado e é calmíssimo. E um defeito: os quartos são glaciais. Trouxe um aquecedor que tinha em casa da A. I. Suspeito que se a senhoria o descobrir vai querer aumentar a renda, que com o último aumento deixou de ser barata e começou a estar na fronteira entre o normal e o aceitável. Mais um aumento e fica normal, ou seja, inaceitável.
Estou na Almirante Reis, a norte do Intendente e a Sul da praça do Chile: rodeado de chineses, portugueses, indianos, nepaleses, bangladeshis, brasileiros, turcos e de vez em quando um ou outro cigano, a dois passos da Portugália. O hostel tem um nome que vai bem com a minha profissão (a anterior, espero); proporciona-me uma experiência televisiva na vida real e tem muito perto um café delicioso e uma senhora que passa camisas a ferro por um preço a que só a decência me impede de chamar simbólico. O aquecimento aquece, o quarto tem bastante luz natural e uma secretária pequenina onde escrevo e pouso as coisas do fim do dia.
Queixar-me seria talvez telenovelesco mas de certeza injusto.
[Adenda: isto não significa, naturalmente, que não haja motivos para me queixar. Há. Mas este blog não se inscreve na escola neo-realista. Inscreve-se em nenhuma, como a maioria dos seus generosos e tolerantes leitores terá visto. Ou talvez numa: a escola de literatura chico-anisiana, tendência hienas. Os leitores da minha geração saberão do que falo.]
Senhoria: chinesa, dona do prédio todo. Só fala mandarim. É gananciosa, desconfiada e deprimida. Errática, lunática, confusa. Frequentemente esquece-se de que para gerir um hostel em Portugal é conveniente falar inglês e ou português.
F., gestor / explorador do hostel: jovem dinâmico, malaio de origem chinesa. Fala inglês, mandarim, cantonês, taiwanês e provalmente malaio, claro. É proprietário de uma guest house na Malásia e veio para Portugal porque se apaixonou online por uma jovem sino-lusa. Gere - isto é, geria, quando cá cheguei - os dois primeiros andares; o terceiro era gerido pela proprietária. Agora gere os três andares, no seguimento de vários episódios.
D., funcionária do hostel, a estalajadeira: jovem simpática e bonita que faz a ponte entre os hóspedes, a senhoria e F., o gestor (que de resto em chinês não se chama F.: adoptou um nome europeu que dá mais ou menos para todas as línguas. Não sei se tem uma relação com o seu nome chinês). Para além de bonita é inteligente e estuda japonês. Trabalha muito porque a senhoria despediu - num esforço de contenção de custos - outra funcionária com quem cheguei a cruzar-me brevemente. Nem sempre está no hostel, o que é compreensível, para dizer o mínimo. Na sequencia de um dos episódios F. forçou a senhoria a readmitir a colega para as limpezas, pelo que se pode esperar mais continuidade nesse importante segmento da actividade hoteleira.
Disse que a senhoria é lunática mas não é bem verdade: muda de opinião mais depressa do que a Lua muda de posição no céu. Talvez "comética", se existisse a palavra a definisse melhor. É gananciosa e desconfiada: pensa que F. a rouba, mas como não sabe falar português nem inglês está ligeiramente limitada.
D. e a senhoria comunicam ou via F. ou via Google translator. Mostram-se os telefones uma à outra, como se estivessem num jogo qualquer de cartas ou de futebol.
Enredo:
Já estive para sair do hostel três vezes, já me mudaram as condições duas e hoje, quando perguntei a F. se a situação com a senhoria estava estabilizada ele respondeu (a tradução é minha):
- Isso não te posso dizer. Com esta senhora nunca se sabe. Nunca nada está estabilizado.
No último episódio não fui a única vítima: D. passou a noite a empacotar tudo - pertences dela e de F. porque íamos todos sair (eu por solidariedade e porque não queria depender directamente da senhoria; é preciso um amortecedor e tradutor, eventualmente) - . De manhã quando saí para o pequeno-almoço (que em princípio estaria incluído, mas a senhoria cortou nos custos e o café deixou de ser potável; só há Nescafé, diluído homeopaticamente: um grão de pó de Nescafé para dez litros de água) estavam os dois sentados em tranquila cavaqueira. Deduzi acertadamente - ganhasse eu dinheiro com a minha intuição e seria mais rico do que o Gates e o Buffet juntos - que não sairíamos. Não saímos.
Comentários:
O hostel tem algumas qualidades - é limpo (quando a jovem e adorável estalajadeira anda por cá, o que nem sempre acontece. Agora por exemplo está de férias: como íamos todos sair F. deu-lhe uma semana de férias, de que ela aproveitou uns dias para ir ao Algarve com o namorado e uma amiga), está bem situado e é calmíssimo. E um defeito: os quartos são glaciais. Trouxe um aquecedor que tinha em casa da A. I. Suspeito que se a senhoria o descobrir vai querer aumentar a renda, que com o último aumento deixou de ser barata e começou a estar na fronteira entre o normal e o aceitável. Mais um aumento e fica normal, ou seja, inaceitável.
Estou na Almirante Reis, a norte do Intendente e a Sul da praça do Chile: rodeado de chineses, portugueses, indianos, nepaleses, bangladeshis, brasileiros, turcos e de vez em quando um ou outro cigano, a dois passos da Portugália. O hostel tem um nome que vai bem com a minha profissão (a anterior, espero); proporciona-me uma experiência televisiva na vida real e tem muito perto um café delicioso e uma senhora que passa camisas a ferro por um preço a que só a decência me impede de chamar simbólico. O aquecimento aquece, o quarto tem bastante luz natural e uma secretária pequenina onde escrevo e pouso as coisas do fim do dia.
Queixar-me seria talvez telenovelesco mas de certeza injusto.
[Adenda: isto não significa, naturalmente, que não haja motivos para me queixar. Há. Mas este blog não se inscreve na escola neo-realista. Inscreve-se em nenhuma, como a maioria dos seus generosos e tolerantes leitores terá visto. Ou talvez numa: a escola de literatura chico-anisiana, tendência hienas. Os leitores da minha geração saberão do que falo.]
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.