27.3.18

Diário de Bordos - Port d'Andratx, Mallorca, Baleares, Espanha, 26-03-2018

Um dia alguém me perguntou como é que eu curava as minhas depressões, que remédios tomava ou que terapeutas via (no pretérito porque felizmente são coisa do passado. Não voltarão a acontecer).

- Farto-me delas, simplesmente - respondi. - E elas vão-se embora.

Hoje pensava nisto: estava farto deste desalento, da sensação da andar às voltas e não sair do mesmo sítio.

O remédio funcionou e naturalmente mais depressa do que com as depressões.

O que não impede que estando quase a ir para Lisboa o mastro continue de pé, eu sem saber que motor escolher e os problemas em vez de desaparecerem como melões num piquenique se sucedam como cerejas à sobremesa de um jantar de bons amigos.

E trabalho. Se ao menos não fizesse nada... Mas um gajo olha para um dia como o de hoje e percebe o porquê do porque não e o do porque sim.

Depois entra aquela velha expressão: as coisas são o que são e não o que nós queremos que elas sejam (e aquela velha e frágil linha que divide a aceitação da revolta); e tudo volta ao normal. Se o vento está de Norte e eu vou para Norte de pouco ou nada serve desanimar. Antes caçar, sentar-me bem a barlavento e bolinar até chegar ou o vento rondar, o que acontecer primeiro.

E é isso mesmo que faço - figuradamente, claro -: caço a beijo, encosto-me a barla até mais não e ala que se faz tarde.

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Mudei de Marina. Vim para o porto público. Tenho de lhe aprender os ruídos. É quase como aprender uma língua nova.

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Reencontro a solidão entrecortada por diálogos no Facebook, contactos profissionais ou com o senhor do restaurante Acal, que elegi como sala de fim de dia, com a senhora do Ship chandler Vera ou com a R. da Mercanautic em Palma como se mergulhasse nas águas tépidas das praias de Antigua, um mergulho entre dois runs.

Que trabalho tão estranho o meu. É impossível não gostar - ninguém o pode fazer se não gostar desta vida, não é daqueles empregos em que um gajo chega a casa e dez minutos de conversa com a mulher o fazem esquecer o dia - e igualmente impossível não pensar em tudo o que se perde, se adia, se faz esperar.

Há muito que deixei de pensar nisto; remeto-me ao velho aforismo segundo o qual um dia bom vale por nove maus. Mas de vez em quando - seja por causa de um diálogo, seja por causa de um dia tão variado, tão cheio de altos e baixos como o de hoje lá me volta a irrequietação. Como não gostar do que faço? Gostando de outra coisa, talvez, não?

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Os pontões fazem um barulhão. Ainda  bem que tenho um sono à prova de bala.

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Hierbas secas. Qual era a pergunta?

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O Livro das Vidas é um bom título para um livro sobre as minhas quase-mortes, não é? Todas as vezes que estive quase quase lá mas ela comportou-se como tantas outras: deu uma dentada e deitou-me fora.

Rússia (Nakhodka), África do Sul (mais exactamente Namíbia: Luderitz), Portugal (Aveiro), Brasil (Parnaíba), o ciclone a setecentas milhas da Martinique...  (Não sei se devo incluir o Burundi e a história do hipopótamo). Creio que ainda falta uma. Pelo me os podia ter morrido em muitos sítios, vá lá. Livro das Vidas e dos Lugares. Que tal? Bonito, não é?

Não.

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