15.12.18

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 15-12-2018

Não gostar de ver loiça suja pela manhã conta como mariquice? Há pouco pensava nisso, fui levar um copo vazio à cozinha e lavei-o de seguida. Tinha contido vinho tinto e não queria ver as marcas roxas ao acordar. Antigamente não era assim: fazia exactamente o contrário. Deixava a loiça toda por lavar para o dia seguinte e os meus dias começavam a lavá-la. Verdade seja dita que deixava a loiça por lavar, certo, mas arrumada, ordenada. O processo obedecia a regras estrictas: primeiro os copos, depis os pratos menos sujos, a seguir os pratos e as panelas mais sujas. As frigideiras ficavam para o fim, mesmo antes dos talheres (mais ou menos no meio mudava a água, claro). A ordem é importante em tudo, mesmo na lavagem de loiça. Tudo isto mudou: já não dou tanta atenção à ordem de lavagem (apesar de a respeitar, menos severamente) e em contrapartida não deixo nem um miserável copo de vinho para amanhã. Não sei se por mariquice, se por idade, se por simples evolução natural. As coisas mudam e nós com elas.

Nem todas, é verdade: continuo a não gostar de Wagner, por exemplo. Faz-me transpirar de aborrecimento - digo-o porque escrevo enquanto tento ouvir pela quinquagésima milésima vez O Anel dos Nibelungos, desta dirigido pelo Dudamel -. Vou ouvir mais um movimento para ter a certeza de que não gosto. Parece-me importante testar regularmente aquilo que não nos atrai: nunca se sabe, de repente vamos a ver e mudámos e agora gostamos.

Por exemplo: comprei a poesia completa do Garcia Lorca. Dezoito euros e cinquenta é uma pechincha, se desta vez começar finalmente a atinar com a poesia do homem. Até ver, nunca me "fez dar um salto na cadeira". Pode ser que com esta edição "completíssima" (a citação não é literal, mas é o que a contracapa diz, mais sílaba menos sílaba) mude de opinião. Nunca se sabe, isto da poesia é como lavar a loiça ou preferir uma bicicleta de cidade a uma de estrada.

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(Momento Kalimero do dia). Não vou a Lisboa para o Natal. Sozinho por sozinho antes aqui.

(Não tem nada a ver com o Natal, claro: enquanto não vir o P. arvorado não descanso. Ver se começamos a recolher o cabo que até agora largámos).

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O Wagner que se lixe. Parece música para um circo de intelectuais. O Youcoiso desafia-me com um Dolphy mai-lo Mal Waldron e o Ed Blackwell e é com eles que me vou despedir (e passar pelo Lorca, ver se a música ajuda).

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