23.5.19

Diário de Bordos - Lisboa, 23-05-2019

R. pensa que sou um idiota. Tem razão no diagnóstico mas engana-se quanto às causas. Desta vez o tema da nossa "conversa" (entre aspas por preciosismo) foram as "alterações climáticas" (agora, porque cito). Parece que vão provocar uma subida dos oceanos e inundar metade das terras habitadas, entre muitas outras catástrofes.

Confesso que o tema me desinteressa ao mais alto grau. Tenho um razoável conhecimento da catequese católica e outro - menor - dos catecismos muçulmano ou budista mas evito discussões sobre temas religiosos: cada um acredita no que quer, desde que não queime na fogueira ou bombeie quem não partilha semelhante clarividência (uso o termo sem sombra de ironia: o que faz de uma religião uma religião é a sua evidência, a sua auto-explicação. Os três pastorinhos não viram a Virgem por causa das sopas de cavalo cansado do pequeno-almoço. Viram-Na porque sim, porque ela estava lá, em cima de uma oliveira ou coisa que o valha, numa suspensão temporária e de outra forma incompreensível da gravidade e da razão).

O movimento ambientalista nasceu da falência do comunismo. Tinha eu vinte anos e os agora "verdes" eram conhecidos por melancias: "verdes por fora e vermelhos por dentro". É um movimento religioso anti-capitalista que substituiu outro movimento religioso anti-capitalista, o marxismo (felizmente. Sempre mata menos). Já tinha prometido que com a R. não falaria senão de flores, bordados e casas para velhos, mas ontem, obviamente não resisti e mal o mar começou a subir à mesa eu subi com ele.

Uma vez dei a volta ao mundo num cargueiro. Atravessei o Pacífico entre o Panamá e uma cidade russa chamada Nakhodka, na qual de resto mais tarde viria e encontrar uma das grandes paixões da minha vida. Demorei trinta dias - trinta - entre o Panamá e a longitude do Japão. (É inútil entrar em pormenores muito técnicos, mas não fizemos o arco de círculo. O comandante, numa decisão acertada, preferiu-lhe uma loxodromia mas isso agora é irrelevante. Seguimos pelos vinte e cinco graus de latitude norte até ao Japão e aí "virámos à direita"). Trinta e tal dias de viagem para atravessar um oceano num sentido só. Alguém imagina quanto gelo seria preciso para fazer aquela massa de água subir um centímetro? Teriam que ir buscar gelo a metade do Universo, suponho.

E toda a gente fala da subida do oceano como dantes falavam da "Luta de Classes". A malta do século XIX teve mais sorte: não tinha Deus mas tinha a ciência (depois descambou no "socialismo científico", um dos oxímoros mais mortíferos da história...) Hoje temos esta porra desta crença infantil e primitiva de que os oceanos vão subir, o glifosato vai matar-nos e o Rousseau era bom rapaz (o outro é que o topava: "il prend envie de marcher à quatre pattes, Monsieur, quand on lit votre ouvrage").

Enfim, resumindo: a R. tem razão. Sou um idiota, mas não por causa do meu cepticismo crónico. A minha falta de inteligência dispensa explicações, como a Virgindade Perpétua de Maria - o que as religiões podem ser maldosas - ou a Santíssima Trindade.

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Isto dito, o jantar foi óptimo, como todos são sempre em casa da J. Conheci-a por intermédio do Facebook e só isso chegaria para me fazer fã do Zuckerberg, se fosse dado a fanatismos.

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O P. continua a avançar a bom ritmo. A minha previsão inicial - no fim de tudo teríamos de esperar pelos panos - confirma-se, mas pelas razões erradas. Acertar nos diagnósticos e falhar nas causas é mal universal.

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