17.6.19

Memória, Calder

Há muitos anos recebi um disco de presente. Era rock soviético,  chamava-se "Pelas vagas da minha memória" (creio. Estou longe de ter a certeza. A minha memória sempre foi vaga, nunca precisou que lho lembrassem).

Penso nisso agora porque me parece que a memória é uma mistura de vagas e de circunvalações. Vagas sem ritmo, circunvalações irregulares: por exemplo, lembro-me de que a música era fraquinha, tenho uma vaga, muito vaga ideia da capa, lembro-me de que uma das palavras era Pamiat e não estou seguro de nada disto.

A miúda que mo deu - uma jovem actriz muito bonita - queria compará-lo aos Beatles, ou aos Rolling Stones? Nao sei. As vagas da minha memória perdem-se numa vaga praia chamada tempo, uma praia muito longa, cheia de curvas e becos sem saída. Até as vagas nela se perdem, chegam e não saem, rebentam em vagas mais pequenas, rebentam outra vez e por aí fora, sem fim.

Na volta, vamos a ver e a praia são as vagas. Não há areia nem rochas nem nada: só vagas e mais vagas carregadas de memória.

Só memória. Circular, elíptica, espiral. Estátua invisível. Mobile de Calder permanentemente em desequilíbrio. 

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