3.8.19

Calor, tempo e pleonasmos

O calor é uma parede contra a qual o tempo esbarra e pára, atordoado. Este fenómeno é sensível em qualquer lugar quente, do Alentejo a Maputo, de Nosi Bé ao Marin ou a S. Luís do Maranhão. Em Palma, o tempo não esbarra com muita força no calor devido ao vento, às inúmeras praças cheias de árvores e de mulheres bonitas, elegantes, à luz, diferente da de Lisboa mas igualmente poderosa. Aqui o tempo e o calor enrodilham-se um no outro, numa espécie de braço-de-ferro amigável que o calor invariavelmente vence.

O tempo pára e eu páro com ele. Dou os primeiros passos numa coisa que tenho de fazer para Mértola, bebo um vermute, penso na roupa que há pouco estendi (aposto que está seca), na carta que quase não escrevi nas já está no seu envelope. Penso em tudo - devagarinho, sinapse a sinapse, quase sinto o salto do pensamento de uma para outra, camaleão a passar de um ramo para o do lado.

O ar é denso, entra-me pelos poros abertos, ansiosos, agradecidos. O tempo hesita, a luz ziguezagueia entre as folhas de árvore agitadas pelo vento e os olhos das duas senhoras da mesa ao lado, pós-balzaquianas recentes e atraentes.

Em mim, tudo isto se transforma numa sesta que, apropriadamente, vai ter de esperar até eu chegar a casa.

"Viver devagar" é um pleonasmo, não é?

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