22.9.19

Caos, tu

A bomba explode em câmara lenta,  muito lenta. Observas atentamente o acontecimento, é como escrever um texto: tudo se desenrola em ti mas fora do teu alcance. Isto é, escreves um texto que se escreve e nem uma vírgula lá consegues meter se não tiver lugar. A bomba explode devagar mas tu não consegues tocar nos estilhaços que vês claramente.

De repente, apercebes-te de que a explosão é ao contrário: passas da desordem à ordem da bomba intacta. Com o texto passa-se o mesmo: anda do caos para a claridade. Nem uma vírgula lhe faz sombra, nem um ponto final o desequilibra.

Pensas nas mulheres todas que amaste,  nas que quiseste amar, nas que esqueceste ou - muito mais numerosas - te esqueceram. Perguntas: o que é que o sexo tem a ver com isto? A bomba reconstitui-se lentamente: uma vida dura uma vida a fazer sentido.

Sentes a pele que te espera, rugosa de desejo, coberta de vírgulas, pontos de exclamação, pontos de interrogação. Nela desenhas palavras roubadas, as palavras que roubaste à memória,  à esperança, à certeza. Nada é seguro excepto essa dúvida: onde estarás,  quando eu chegar? Onde terás posto esses olhos, essas mãos, esse olhar que tanto esperei?

Para onde foi o caos? Como o conseguiste modular tão bem, tão perfeitamente,  como se nada tivesse havido entre ele e hoje, entre ele e nós?

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