29.1.20

«Um lugar onde faça sentido parar»

É da imperfeição...  Deste conjunto de imperfeições.

Até a morte é imperfeita: o corpo decompõe-se, os vivos recordam o morto, o cadáver passeia-se por aí - num livro, numa árvore (ou num filho, mas aí só metade) - puzzle imperfeito, as peças encaixam mas há espaços entre elas, às vezes abismos, as imagens ficam tortas, há um dedo que as percorre (serão dois?) e apercebe-se das falhas geológicas, fracturas tectónicas, sorrisos que não colam uns aos outros, adeuses que ninguém sabe se o são para sempre ou para nunca, olhares que por vezes se enfrentam e outras se esquivam, há espaços nas peles que ficarão para sempre desconhecidos, intocados, há futuros que nunca passarão disso. Futuro - e passado - são promovidos à condição de presente, convem não esquecer. E este, despromovido, mal passa a um ou outro: o passado é um presente que se interroga, o futuro um presente que se ignora.

«...anda à procura de um lugar onde faça sentido parar e ainda não encontrou», disse alguém um dia. À procura de um lugar? Substitua "lugar" por "corpo": «Anda à procura de um corpo onde faça sentido parar...» Por praia. «Anda à procura de uma praia...» Nada disso. «Anda à procura de um si onde faça sentido parar-se...»

Ando à procura de um eu onde faça sentido parar, é tudo. Um eu com mamas, se possível.

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No mar não há certezas. Há probabilidades: talvez, mojat buit, vielleicht, maybe, peut-être, forse... A indecisão é a única língua do mar. Talvez. Talvez um dia no fundo do dia haja um lugar que me espera.

Há, estúpido. Chama-se cova e não tem mamas.

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