1.3.20

Beatriz

A senhora chama-se Beatriz, anda pelos quarenta anos e tem uma daquelas caras difíceis de descrever ou qualificar. Não é feia nem bonita, é séria mas não banal, o olhar é vivo e prescrutador. A primeira coisa que me ocorre é: "esta mulher faz qualquer homem com quem esteja passar por um tipo sério, administrador de empresas ou alto funcionário público."

Logo a seguir entrou o tipo que estava com ela. É o maior bêbedo do bairro.

Vieram sentar-se à minha mesa, era a única que tinha lugares. Hoje tocava um pianista, um miúdo novo, vinte, vinte e poucos. O namorado, amante, amigo ou o que fosse bebia vodka atrás de vodka. A certa altura levantou-se, disse-nos adeus e foi-se embora.

Beatriz olhou para ele, depois para mim, encolheu os ombros e respondeu que ficava.

O pianista anunciou uma pausa.

- Quer um cigarro?
- Sim, obrigado.

Levantámo-nos, fomos lá para fora, tirei o maço do bolso e estendi-lho.
- Obrigado. A música é triste, não acha? Como é que se chama? Eu sou Beatriz.

Acendi-lhe o cigarro e disse-lhe o meu nome.

- É como escrever cartas de amor sem ter a quem as enviar, não é? - continuou no mesmo tom desprendido, como se me estivesse a falar da mulher a dias ou do penteado da empregada na boutique onde comprara o tailleur que tinha vestido.

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