Na saída da manhã vi uma criança, três quatro anos. É a primeira que vejo nestes dez dias, mais coisa menos coisa, que aqui levo.
A cena foi demasiado bonita para não ser recordada: Plaza Mayor vazia, nem um gato à vista. O miúdo vem do lado da Rambla a toda a velocidade, montado numa daquelas motas de brinquedo que se deslocam com os pés no chão, como as primeiras bicicletas. Não lhe vi pai ou mãe, o puto saiu disparado como flecha a sair de um arco tenso há demasiado tempo. Chegado a meio da praça voltou para trás, igualmente na brasa.
Era cedo, a praça ainda estava alaranjada e eu pensei inevitavelmente nos milhares de putos que estão fechados por essa cidade fora.
Ao menos têm sorte, daqui a meia dúzia de semanas já terão isto esquecido.
Não que eu me possa queixar muito. Não posso. Tenho trabalho e vinho, duas coisas com as quais poderia passar uma década. O que me chateia são as consequências económicas desta loucura. Houellebeck devia reescrever a Submissão e dedicá-la à China, em vez de aos muçulmanos, ver se as pessoas abrem os olhos.
........
Hoje não comprei o jornal. Na verdade ainda só o comprei duas vezes.
Quando penso na sofreguidão com que os lia, antigamente, não sei se fui eu se foi o jornalismo quem mudou.
..........
A minha "volta ao mundo" (aspas porque ainda está só no papel) já vai em Montevideo. Agora começa a parte mais interessante desta parte da viagem: Argentina, Falkland, estreito de Magalhães, Chiloé. Já não tinha a idade do puto na mota quando comecei a sonhar com isto, mas pouco faltava.
..........
Grande vantagem disto tudo: não vou poder apanhar um avião nos tempos mais próximos.
.........
[Adenda: algures na cabeça das pessoas instalou-se a ideia de que sem quarentena os velhinhos morrem.
Posso estar enganado, claro. Estou muitas vezes. Mas quando vejo as estatísticas parece-me que com "isolamento social" (aspas porque cito) os velhinhos continuam a morrer.
De um ponto de vista ético o problema é vasto e complexo, uma espécie de dilema do eléctrico à escala global. Aponta-se a agulha para um lado: morrem os velhos e mata-se a economia. Para o outro: fragiliza-se a economia e morrem os velhos.
Quem não queria estar no lugar dos políticos, quem é?
Adenda: A maioria escoheu a facilidade: deixar morrer os velhinhos fingindo que estão a salvá-los e matar a economia. ]
A cena foi demasiado bonita para não ser recordada: Plaza Mayor vazia, nem um gato à vista. O miúdo vem do lado da Rambla a toda a velocidade, montado numa daquelas motas de brinquedo que se deslocam com os pés no chão, como as primeiras bicicletas. Não lhe vi pai ou mãe, o puto saiu disparado como flecha a sair de um arco tenso há demasiado tempo. Chegado a meio da praça voltou para trás, igualmente na brasa.
Era cedo, a praça ainda estava alaranjada e eu pensei inevitavelmente nos milhares de putos que estão fechados por essa cidade fora.
Ao menos têm sorte, daqui a meia dúzia de semanas já terão isto esquecido.
Não que eu me possa queixar muito. Não posso. Tenho trabalho e vinho, duas coisas com as quais poderia passar uma década. O que me chateia são as consequências económicas desta loucura. Houellebeck devia reescrever a Submissão e dedicá-la à China, em vez de aos muçulmanos, ver se as pessoas abrem os olhos.
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Hoje não comprei o jornal. Na verdade ainda só o comprei duas vezes.
Quando penso na sofreguidão com que os lia, antigamente, não sei se fui eu se foi o jornalismo quem mudou.
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A minha "volta ao mundo" (aspas porque ainda está só no papel) já vai em Montevideo. Agora começa a parte mais interessante desta parte da viagem: Argentina, Falkland, estreito de Magalhães, Chiloé. Já não tinha a idade do puto na mota quando comecei a sonhar com isto, mas pouco faltava.
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Grande vantagem disto tudo: não vou poder apanhar um avião nos tempos mais próximos.
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[Adenda: algures na cabeça das pessoas instalou-se a ideia de que sem quarentena os velhinhos morrem.
Posso estar enganado, claro. Estou muitas vezes. Mas quando vejo as estatísticas parece-me que com "isolamento social" (aspas porque cito) os velhinhos continuam a morrer.
De um ponto de vista ético o problema é vasto e complexo, uma espécie de dilema do eléctrico à escala global. Aponta-se a agulha para um lado: morrem os velhos e mata-se a economia. Para o outro: fragiliza-se a economia e morrem os velhos.
Quem não queria estar no lugar dos políticos, quem é?
Adenda: A maioria escoheu a facilidade: deixar morrer os velhinhos fingindo que estão a salvá-los e matar a economia. ]
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.