28.3.20

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 27-03-2029

Voa, tempo. "Voa, cavalo, galopa mais." Voem, dias e noites. Mas não me levem convosco. Deixem-me ficar tranquilo, com "o meu menino d'oiro, d'oiro fagueiro. Hei-de levá-lo no meu veleiro."

"Pelo sonho é que vamos, braços dados ou não." "A tua dor não é uma credencial, não passa de sombra das minhas feridas."

Assim passam por mim os dias, a cantarolar. Hoje ouvi a Chavela Vargas, por exemplo. Quem não conhece devia conhecer. São feitos em ponto-cruz (os dias), formas elaboradas mas bem definidas, bem balizadas. De manhã Mercadona e mercado, à tarde só Mercadona e ou o outro, nunca me lembro do nome.

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Não me lembro de nada. Hoje, uma tripulante de uma travessia que fiz com um brasileiro louco há cinco ou seis contactou-me no Facebook. Deixou de comer só comida crua (agora é vegan) e começou a usar sabonete. Era gira, a miúda. Italiana, pequenina, magrinha. Dava a impressão de que se partiria ao meio se alguém a olhasse fixamente. É pintora e vive nos EUA. Disse-me que a bordo me deslocava com a graça de uma borboleta apesar da desgraça da barriga (a formulação é minha, claro). Lembrei-me da S., que me perguntava "mas tu tens cola nos pés?"

O armador brasileiro era louco, no sentido patológico do termo. Obsessivo-compulsivo, paranóico. Foi uma das duas péssimas travessias que fiz (mas não tão má como a outra).

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Quem não está habituado a estar fechado numa embarcação deve pensar que os dias se enrolam à sua volta como serpentes ávidas de envenenar e deglutir a presa. Para um marinheiro não é assim. Quase vejo a esteira, quando olho pela janela.

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Não costumo mencionar aqui pessoas que me lêem, mas hoje faço-o: troca de e-mails com uma senhora adorável. Adivinho-lhe a timidez e a sensibilidade, B.

Ultimamente tenho encontrado uma série de pessoas com quem empatizo imediatamente, de chofre, como se tivéssemos estado ali à espera um do outro toda a vida e nos chocássemos a dobrar uma esquina. É bom.

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Consegui finalmente maneira de contactar o E., de quem espero obter informações sobra a Patagónia. Viveu lá a fazer charter uma larga dezena de anos.

Uma das grandes vantagens da idade é ter amigos para cada coisa que se quer fazer.

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A casa é pequena e os dias também.  Grandes, agora, só os sonhos, os planos e os horizontes.

Podia ser pior.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.