7.3.20

Diário de Bordos - Mértola, Alentejo, Portugal, 09-03-2020

07-03-2020, Sábado

Meu vinho de comer: Balanches 2018. (Copyright MJPC.)

Mal sai do copo o vinho enche-nos o palato de tal forma que se tem de mastigar. E depois não sai. Fica lá para sempre. É preciso rever os conceitos "ataque", "corpo" e "fim de boca".

Como o Haut Marbuzet, faz-nos reconsiderar o conceito de vinho.

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Jantar no Tamuje. Não é bem um restaurante, é um templo de acção de graças à cozinha alenjana. Carne de matança com migas eu, secretos com batatas fritas a MJ. E o acima mencionado Balanches, claro. Que bênção... A carne bem condimentada, batatas que nunca viram um congelador, medronho de Almodôvar que me dá vontade de mudar de Mértola para aquela aldeia, aqui tão perto.

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08-03-2020, Domingo

Duas primeiras: Cacela Velha e M. L.

Cacela Velha é muito bonita, alcandorada sobre a ria de Faro, casas de bonecas bem mantidas, arroz de lingueirão feito por um deus inspirado.

Mas as pessoas interessam-me mais do que as paisagens. Por muito bonitas que estas sejam - penso no lago Tanganica, a península de Burton com as montanhas a norte e a floresta tropical a sul, penso nos Açores, nas ilhas San Blas, en Bocas del Toro, Singapura ao amanhecer, a ilha de Moçambique, revejo a chegada a Nakhodka, o canal do Panamá, a Suíça... revejo isso tudo e mantenho: as pessoas interessam-me mais do que as paisagens. Talvez sendo geólogo fosse ao contrário, mas não sou.

ML: olhos vastos e verdes como a tundra. Pergunto-me quantas vezes terá ouvido "os teus olhos são tão bonitos" e abstenho-me de o pensar, quanto mais dizer. Consigo este, falho naquele. Mulher autónoma, ideias claras e estruturadas, nada daquela bruma esotérica que tantas vezes esconde o vazio intelectual de quem nele nada. Mas isto não foi surpresa: já várias vezes trocáramos ideias por teclado interposto.

Novidade foi a voz nos registos baixos que me estonteia: vozes tectónicas a suportar uma inteligência elaborada, límpida. (O termo que me ocorre é andaimada: ideias andaimadas, bem sustentadas.) Pergunto-me quantos dos seus formandos serão como eu atazanados quando a ouvem.

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Voltamos para Mértola e outra surpresa: os irmãos Sérgio e Vítor e o pai Carlos Garcia. Estão de férias, se bem para mim isto não seja bem férias: vão de  Sevilha para Vigo em todo o terreno, os mais novos de carro e o pai de mota. Tiveram uma avaria e ficaram em Mértola, em vez de Moura, destino do dia.

O Sérgio ligou-me, completamente ao acaso e jantámos os cinco no Esquina. Outro grande jantar, outro medronho fora de série. Tenho sorte: por mais que coma e beba não engordo, não tenho problemas de açúcar no sangue, não tenho tinnitus, nada.

- Você é bom garfo, não é? - pergunta-me o cozinheiro, que entretanto já fechou a cozinha e se bate, mai-los colegas, com uma cabeça de porco grelhada.
- Não - respondo. Aponto para a barriga e concluo: - Isto é uma ilusão de óptica.

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09-03-2020, Segunda

O dia começa com um telefone da marina de Calanova. Passo os pormenores: estou demasiado farto daquela ilha para sequer me lembrar que ela existe. Faço o que é preciso e conbino com a Melanie que na quarta-feira lhe mostro os trabalhos. Deus sabe que Mallorca é linda (e a Melanie também) mas aquela gente...

Pequeno-almoço com a família Garcia, que segue o seu caminho. Eu continuo aqui: hoje o programa é ir ao Pomarão e depois comprar medronho para a Lpa. Podia ser pior.

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Secção boas notícias:
a) o Sérgio vai precisar de mim este Verão. Vou poder conciliar o P. com meia dúzia de charters. Falou-me num trabalho em Vigo como chefe de base. Não posso: o P. monopolizou o meu futuro.
b) Parece que encontrei finalmente uma casa maior em Mértola. O meu futuro tem dois monopólios a tomar conta dele. Felizmente dão-se bem. 

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