«Somos incapazes de revolta e de agitação. Quando fizemos uma “revolução” foi para implantar uma coisa igual ao que já estava. Manchámos essa revolução com a brandura com que tratámos os vencidos. E não nos resultou uma guerra civil, que nos despertasse; não nos resultou uma anarquia, uma perturbação das consciências. Ficámos miserandamente os mesmos disciplinados que éramos. Foi um gesto infantil, de superfície e fingimento. Portugal precisa dum indisciplinador. Todos os indisciplinadores que temos tido, ou que temos querido ter, nos têm falhado. Como não acontecer assim, se é da nossa raça que eles saem?»
(Fernando Pessoa, 8-4-1915 in Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional. Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão. Lisboa: Ática, 1979. - 1.)
Há cada vez mais provas de que o confinamento é ineficaz como remédio para a pandemia e cada vez mais certezas de que vai custar demasiado caro. A minha objecção à celebração do 25 de Abril na AR não tem rigorosamente nada a ver com ele.
Tem a ver com o tipo de relações que os nossos governantes têm com os governados. Essa relação é - há centenas de anos - enviesada, assimétrica. Os governantes mandam, os governados fazem pela vidinha. «O povo é quem mais ordena» foi uma ilusão passageira, o verso de uma canção que mobilizou as pessoas - isto é, as iludiu durante um curto período da nossa história. Mal essa ilusão passou, voltaram todos à sujeição inicial.
É portanto com um certo optimismo que vejo a petição contra as manifestações já ir em mais de sessenta mil subscritores. Não é, quanto a mim, a forma correcta de lutar contra essa abjecção - isso seria pura e simplesmente ir toda a gente para a rua, ignorando as ordens de reclusão - mas é um passo.
Uma das melhores descrições de Portugal que conheço foi uma vez feita por José Miguel Júdice e foi, naturalmente bastante repudiada: «Portugal é um país de merdosos.» Entre merdosos e medrosos a distância fonética não é grande. Pode ser que este seja a primeira etapa para que deixemos de ser um e outro e passemos das assinaturas para a rua.
Pela razão simpes e irrefutável de que «eles» não são mais do que nós.
(Fernando Pessoa, 8-4-1915 in Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional. Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão. Lisboa: Ática, 1979. - 1.)
Há cada vez mais provas de que o confinamento é ineficaz como remédio para a pandemia e cada vez mais certezas de que vai custar demasiado caro. A minha objecção à celebração do 25 de Abril na AR não tem rigorosamente nada a ver com ele.
Tem a ver com o tipo de relações que os nossos governantes têm com os governados. Essa relação é - há centenas de anos - enviesada, assimétrica. Os governantes mandam, os governados fazem pela vidinha. «O povo é quem mais ordena» foi uma ilusão passageira, o verso de uma canção que mobilizou as pessoas - isto é, as iludiu durante um curto período da nossa história. Mal essa ilusão passou, voltaram todos à sujeição inicial.
É portanto com um certo optimismo que vejo a petição contra as manifestações já ir em mais de sessenta mil subscritores. Não é, quanto a mim, a forma correcta de lutar contra essa abjecção - isso seria pura e simplesmente ir toda a gente para a rua, ignorando as ordens de reclusão - mas é um passo.
Uma das melhores descrições de Portugal que conheço foi uma vez feita por José Miguel Júdice e foi, naturalmente bastante repudiada: «Portugal é um país de merdosos.» Entre merdosos e medrosos a distância fonética não é grande. Pode ser que este seja a primeira etapa para que deixemos de ser um e outro e passemos das assinaturas para a rua.
Pela razão simpes e irrefutável de que «eles» não são mais do que nós.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.