28.4.20

Assanhado

Até aos dezoito anos a minha luta não era política. A independência de Moçambique era-me indiferente, a Mocidade Portuguesa representava simplesmente a possibilidade de velejar - creio que fui uma vez a um desfile e foi para ver como era, mas nem isso posso garantir - e o que detestava no Estado Novo era a censura - de que sofria pouco porque tinha em casa tudo o que quisesse ler e muito mais.  Era uma luta que ia muito mais longe, mais profundo se preferirem, do que a política.  A minha adolescência (pelo menos a sua parte tardia) foi apoiada basicamente em Nietzsche e em whisky, em Reinaldo Ferreira, Fernando Pessoa e Jimi Hendrix, no meu Vaurien ADN e num e outro amigo (que ainda tenho, de resto). Não era uma luta política. Tinha mais de metafísico, de independência, de liberdade individual do que de política. Lia Thoreau, Camus, Hemingway, era rebelde - passei o sétimo ano graças ao 25 de Abril, que impediu os professores de dar nos segundo e terceiro períodos notas inferiores às do primeiro. Detestava a sociedade não devido a um aspecto específico dela, mas pelo simples facto de existir e eu sentir que me queria forçar a integrá-la.

Chego aos sessenta e dois anos e a luta é quase a mesma: a tentação totalitária tem de novo droit de cité. E ainda há quem não acredite que a vida - no sentido lato - é um círculo. Ou uma elipse, como a órbita terrestre. Talvez beba menos whisky mas não estou menos assanhado.

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