22.5.20

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 22-05-2020

Ao fundo do túnel a luz não é um comboio: é mesmo o fim do túnel. Todos estamos fartos hasta los huevos, os dois I. e eu, todos queremos ver isto terminado e todos nos dizemos, "é agora que temos de ter calma e não nos deixar ir, é agora que não podemos estragar o que fizemos, é agora." Lembro-me do provérbio chinês que mais vezes devo ter citado: «metade de uma viagem de cem li não são cinquenta li, são noventa.»

É agora. Em breve teremos o camarote de proa fechado, limpo,  nada mais a fazer. No dia em que isso acontecer lanço um foguete até à Lua.

Não é agora, mas está quase. É quase agora e o quase cada dia é mais pequeno.

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A bodega Can Rigo abriu e o idiota de quem manda ordenou máscara obrigatória no mercado.  Até ontem não era. Uma no cravo, outra na ferradura. Se é isto a humanidade  eu não sou  sócio e quero a minha desfiliação já, se faz favor.

Até na rua é obrigatória, mas só se nos cruzarmos a menos de dois metros, dizem-me dois polícias a quem perguntei e me pareciam tão desesperados como eu.

A minha misantropia vai mesmo levar uma injecção de anfetaminas e aquelas coisas que servem para os músculos mais sei lá, uma espécie de Viagra, se existir.

Viagra para a misantropia, que o da filoginia já existe.

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Vim cá fora fumar um cigarro, no mercado. Não suportei ver aquela gente toda de máscara, no que até agora foi o único espaço de liberdade. (Até esse me tiraram. Seria preciso uma puta do tamanho do universo para os poder acolher, a "eles" e à raiva que me provocam.)

Estava um senhor a quem perguntei se me podia sentar. Cinco minutos depois pediu-me o telefone para ligar à mulher (não tinha saldo no dele),  explicava-me que se estava a divorciar, que o cúmulo do divórcio e do confinamento tinha sido demais para ele. Até aqui tudo bem. Compreendo e empatizo. Depois entrou numa teoria conspirativa que me aborreceu e vim-me embora.

Não percebo porque precisam de tantas e tão complicadas teorias para explicar as múltiplas formas da idiotice.

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A máquina fotográfica chegou mas agora tenho de esperar que a bateria carregue e o calhamaço das instruções esteja mais ou menos folheado. Que saudades tenho de quando se comprava uma máquina e cinco minutos depois se estava a fazer a primeira fotografia. 

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