18.5.20

Positivismo radical

Não há explicações metafísicas para a felicidade. A única válida, sempre válida que conheço é ciclista: felicidade é um semáforo verde no fim de uma descida íngreme. Ou marítima: felicidade é quinze nós de vento pela alheta. Ou gastronómica: felicidade é um cozido à portuguesa acompanhado por um bom tinto, daqueles que deixam traços no copo e no palato. Ou afectiva: felicidade é o teu olhar grato e saciado em mim. A felicidade ou se come, toca ou cheira ou não passa de uma efabulação cabalística destinada a preencher as tardes ociosas das senhoras das limpezas quando a patroa está longe.

Adenda pós-prandial - à lista dos prazeres concretos, acrescentar:

- Ler uma frase daquelas que só Gabriel Garcia Marquez, Marguerite Yoourcenar, Samuel Beckett sabem e podem esrever. O Malcolm Lowry do Under the Volcano anda lá perto, às vezes; o Hemingway todo (mas especialmente a Outra margem), o London de To light a fire, o Joyce de The Dead, Somerset Maugham, Steinbeck... Pronto, resumamos: ler uma frase bem escrita, uma história bem contada, um livro bem escrito;
- Ouvir as Segunda e Quinta Sinfonias de Mahler, o Arvo Pärt todo (pelo menos o que conheço), ouvir Maria Callas cantar o Ave Maria de Schubert, o Carmina Burana de Clemencic, as Vésperas de Rachamninov (ao vivo, na catedral de Genebra, dirigidas por Michel Corboz), os cânticos de Hildegarde von Bingen. E muitos outros;
- Ver os quadros de Mantegna, Hopper, Klee, Rembrandt.

Acabo a lista (por lassidão pós-prandial), penso em todos os que ficaram de fora e pergunto-me como é possível não ser feliz. O esforço que ser infeliz exige é inquantificável.

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