5.6.20

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 05-06-2020

A rua Sant Miquel está outra vez cheia de peões e decidi apanhar o elevador para a Rambla. À minha frente chega um senhor velhote, um pouco curvado, máscara daquelas que cobre o nariz. Começa por me dizer para lhe passar à frente. Digo que não, ele estava primeiro e mesmo que não estivesse. Responde-me "então vamos os dois". Digo-lhe que por mim não há problema, mas não tenho máscara, ele diz-me "não faz mal, eu tenho, chega para os dois". No elevador: "tenho oitenta e três  anos e nunca vi uma coisa assim". "E eu sessenta e dois e tão pouco". "É por isso que gosto dos políticos do norte da Europa. Preocupam-se com o povo. Aqui é só..." e faz o gesto de encher os bolsos. Chegamos,  eu digo-lhe "Não sou espanhol, não posso falar de política espanhola, mas..." Ele ri-se, despedimo-nos cordialmente. Oitenta e três anos. Quem quer "proteger os velhos" devia apanhar o elevador da Plaza Mayor para a Rambla. Talvez aprendesse que são pessoas com cabeça e sabem proteger-se e pensar, provavelmente melhor do que quem os vê a todos como incapazes.

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Venho almoçar à Bodeguita del Centro, de que aprecio tudo, a começar no piscar de olhos do nome à cozinha, passando pela cozinheira e pela empregada (en tout bien tout honneur, ça va de soi), na esperança de que houvesse arroz negro.

Bingo. Sorte grande. Há. Em vez de pensar em proteger quem sabe proteger-se deviam era interessar-se mais pelas coisas simples da vida: um arroz negro extraordinário, um bom vinho branco, café, hierbas secas e umas flores a caminho de casa. A frugalidade é a porta do paraíso. 

Antes de chegar a casa ainda vou beber um café à argentina que me trata por mi reye. Nada como um verdadeiro título nobiliárquico para anteceder uma sesta.

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