Nada do que é humano me é estranho, excepto eu: no que a humanidade toca em mim o humano é-me distante, indiferente, fosco. A histeria colectiva interessa-me como objecto de estudo; no que toca à minha vida quotidiana esse interesse morfa-se numa mistura de desinteresse apaixonado e ódio desapaixonado, ódio racional e desinteresse emotivo.
Hoje fui de táxi para bordo e no regresso ia a entrar noutro. O chauffeur diz-me masquerilla, assim, sem mais: masquerilla. Fechei a porta e vim-me embora. Não nasci para receber ordens de taxistas. Fui gratificado: o que apanhei respondeu a 3uma inocente pergunta minha sobre a marcha do negócio e contou-me a vida toda, desde os sete anos - o pai pô-lo a guardar porcos - até hoje, que já devia estar reformado mas não está: a mulher não o suporta e ele não a suporta a ela, o que explica que aos sessenta e oito anos continue a conduzir um táxi (que agora não sabe como há-de pagar, porque o comprou mesmo antes do vírus). No entretanto fiquei a saber o que ele faria à jovem acrobata que no cruzamento faz acrobacias com o namorado (ou «o que ela lhe faria a ele, que está com sessenta e oito anos», aspas porque cito).
Lembrei-me do Alexis, meu chauffeur durante os quatro meses que passei em Panamá, no seu pudor, na amizade real que nos ligou, na simpatia mútua que nos unia. Ainda hoje não sei a idade dele. Nunca soube. Percorremos a cidade de Norte a Sul, de Leste a Oeste, estivemos juntos nos maiores engarrafamentos que alguma vez vivi, emprestámo-nos dinheiro um ao outro, almoçámos juntos dezenas de vezes...
Em S. Luis era o Maciel, homem bom, tão bom como o Alexis. Via os programas da National Geographic na televisão e no deia seguinte fazia-me perguntas sobre os países de que os programas falavam. Era daquelas pessoas que nos fazem odiar os sistemas políticos que não proporcionam educação a quem a merece. Cinco meses de convivência diária. Tem duas filhas.
.........
Verdade seja dita: ando irritadiço, eu normalmente tão calmo. Esta mistura de humanidade e histeria confunde-me o sistema. Aguento uma e suporto a outra, mas separadas, se faz favor. Assim juntas ficam demasiado perto de mim. A humanidade e eu somos como aqueles casais que se amam mas não se tocam.
........
Vou deitar-me cedo outra vez. Não dormir por não dormir, antes na cama.
Hoje fui de táxi para bordo e no regresso ia a entrar noutro. O chauffeur diz-me masquerilla, assim, sem mais: masquerilla. Fechei a porta e vim-me embora. Não nasci para receber ordens de taxistas. Fui gratificado: o que apanhei respondeu a 3uma inocente pergunta minha sobre a marcha do negócio e contou-me a vida toda, desde os sete anos - o pai pô-lo a guardar porcos - até hoje, que já devia estar reformado mas não está: a mulher não o suporta e ele não a suporta a ela, o que explica que aos sessenta e oito anos continue a conduzir um táxi (que agora não sabe como há-de pagar, porque o comprou mesmo antes do vírus). No entretanto fiquei a saber o que ele faria à jovem acrobata que no cruzamento faz acrobacias com o namorado (ou «o que ela lhe faria a ele, que está com sessenta e oito anos», aspas porque cito).
Lembrei-me do Alexis, meu chauffeur durante os quatro meses que passei em Panamá, no seu pudor, na amizade real que nos ligou, na simpatia mútua que nos unia. Ainda hoje não sei a idade dele. Nunca soube. Percorremos a cidade de Norte a Sul, de Leste a Oeste, estivemos juntos nos maiores engarrafamentos que alguma vez vivi, emprestámo-nos dinheiro um ao outro, almoçámos juntos dezenas de vezes...
Em S. Luis era o Maciel, homem bom, tão bom como o Alexis. Via os programas da National Geographic na televisão e no deia seguinte fazia-me perguntas sobre os países de que os programas falavam. Era daquelas pessoas que nos fazem odiar os sistemas políticos que não proporcionam educação a quem a merece. Cinco meses de convivência diária. Tem duas filhas.
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Verdade seja dita: ando irritadiço, eu normalmente tão calmo. Esta mistura de humanidade e histeria confunde-me o sistema. Aguento uma e suporto a outra, mas separadas, se faz favor. Assim juntas ficam demasiado perto de mim. A humanidade e eu somos como aqueles casais que se amam mas não se tocam.
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Vou deitar-me cedo outra vez. Não dormir por não dormir, antes na cama.
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[Adenda: o Otaku reabriu e no caminho de pôr a burra na garagem páro para um sake. Hoje fui brindado com uma prova: quatro sakes, escolher o que mais me apraz.
O sake desenjoa-me de tudo: humanidade, Bailey's, vírus, histerias, insónias, livros por ler, mares por navegar, corpos por amar, confidências por ouvir.
Escolhi o segundo mais barato. É a melhor relação qualidade - etc. O mais caro é a melhor relação qualidade - tudo, mas fica para depois. O óptimo é inimigo do suficiente.]
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.