21.10.20

Breve tratado de teologia insomníaca

Porque é que todas as religiões precisam tanto de culpabilidade e de auto-flagelação? É um dispositivo da submissão: somos culpados, temos de nos redimir. Seja com a jihad, seja com a penitência ou com o desapego, temos de mudar o homem que há em nós.

As novas religiões seculares herdaram esses mecanismos. Sem eles não seriam religiões e nao atraíriam fiéis. A antropogénese das mudanças no clima - uma coisa  que muda desde que existe e existe muito antes de haver humanidade (e mesmo que seja fruto do nosso pecado, a ideia de que talvez seja melhor adaptar-nos, como a humanidade tem feito desde que existe, é ela mesma pecado); a santa igreja dos terraplanistas da Covid, que "conseguiu" aplanar a terra e pensa que consegue fazer o mesmo ao vírus, com o êxito que está à vista; a santa igreja da natureza - cujo Livro não é, infelizmente, La Méthode, de Morin; o comunismo, que tem na propiedade privada o seu pecado orginal e se propunha criar o homem novo e dar-lhe amanhãs radiosos (esta resolveu abolir todas as outras, chamando-lhes ópio, porque é contra a concorrência)

Este dispositivo de auto-ciliciação coabita com uma húbris de tamanho igual e sinal contrário: o homem pode tudo, desde mudar-se a si próprio a mudar a natureza. Somos deuses, que diabo! (Ou imagens Dele, para alguns.) Para que serve sermos deuses se não conseguimos sequer mudar o clima, parar um vírus ou proteger a natureza?

Ainda me hão-de ver a acender velas na igreja. Não que me tenha convertido, mas para que a Igreja Católica Apostólica Romana, os Adventistas do Sétimo Dia ou as duzentas e cinquenta e quatro fomas de protestantismo recuperem as suas "ovelhas" (aspas porque cito).

(Já todos ficaríamos a ganhar - ou pelo menos manteríamos as cabeças em cima dos pescoços e não ao lado - se uma das religiões do Livro perdesse alguns fiéis, mas isso é outra história.)

O ateísmo - paradoxalmente, sem dúvida - é a única "religião" (aspas porque ironizo) que não faz mal a nada nem ninguém e põe o homem no seu lugar: a periferia do universo.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.