O Outono já aí está, depois de muitas hesitações. Dias "quentes", nublados e limpos, Sol ora sem a máscara das nuvens ora com ela posta até aos cabelos. Às vezes pinga, outras chove - chuva mansa, não se sente, não se vê, não molha; hoje foi dia de bise. Amanhã vai cair, diz o meteorologista.
O mais extraordinário apresentador da meteo que vi numa televisão: há meia dúzia de dias mostra uma carta cheia de sóis e diz:
- Isto é o que todos gostaríamos de ter amanhã de manhã. Infelizmente, não sabemos se é o que haverá ou se nuvens altas virão cobrir o Sol. Só amanhã saberemos.
Que honestidade! Que beleza! Que belíssima admissão da incerteza das previsões meteorológicas. Era do dia seguinte que ele falava não do tempo dali a uma semana (não sei se por ele se pelo previsor de Météo Suisse, mas pouco importa),
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A Arte da Alegria, de Sapienza Goliarda, parece uma continuação do Leopardo. Uma espécie de "o Príncipe veio à cidade". Ou "o Príncipe ressuscitou quarenta anos depois da mais bonita valsa da história do cinema". O livro é extraordinário, mas como ainda nem a meio estou (é um calhamaço de oitocentas páginas) reservo-me e espero para ver. Daria uma fantástica série de televisão, isso é seguro.
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A Suíça - até a Suíça - cede à histeria dos «casos». Mas sendo o que é, cede calma, reflectidamente. Ontem na televisão (canal principal, telejornal) até um crítico - em Portugal seria um "negacionista" - (aspas para assinalar o escárnio com que uso este termo) entrevistaram. A curiosidade é que é a pessoa que dirigiu a luta contra a pandemia até há bem pouco tempo. Entretanto, o governo federal cria uma célula para centralizar as coisas e os cantões opõem-se. Na televisão, a presidente da Confederação diz "O nosso modelo negativo é a França. Não queremos fazer aquilo que eles estão a fazer, porque prejudica a economia e não resolve a pandemia" (a citação não é verbatim).
Isto dito, a Covid também aqui tem contornos políticos curiosos. Há uns tempos o cantão de Zurique queria obrigar as prostitutas a tomar nota do nome, número de telefone, morada e duração das "operações" de cada cliente. Duvido que tenha passado - a verdade é que continuo a ver televisão só muito esporadicamente - mas depois ficou a saber-se que aquele delírio foi o resultado de uma luta entre o governo cantonal e o principal partido da oposição.
Luta antiga - os zuriquenses (?) herdaram mais calvinismo do que Genebra. No princípio dos anos oitenta a cidade era praticamente governada por uma Frauengesellschaft (ou coisa que o valha. Significa "Sociedade de senhoras") que punha e dispunha em tudo o que era diversão e vida nocturna. As discotecas, por exemplo, não podiam vender álcool. Era preciso comprar-se as bebidas no exterior e para entrar pagava-se uma "rolha".
Escusado será dizer que em termos de luta contra o consumo excessivo de álcool não funcionava muito bem: pelo preço de uma bebida comprava-se uma garrafa, que alguns bebiam pelo gargalo para não pagar os refrigerantes ao balcão. O ambiente era horrível, as bebedeiras alastravam como a carga de uma manada de bisontes, o cheiro insuportável - mas mesmo assim foi preciso uma série de iniciativas para pôr fim às garras das senhoras na vida de cada um.
(É um fenómeno generalizado nas crenças, semelhante ao dos apóstolos da Igreja de S. Covid dos Dias do Meio: dão mais peso àquilo em que acreditam ou ao que gostariam que fosse do que à realidade. Infelizmente a praga da histeria não vai lá com iniciativas populares. Se em Portugal houvesse um referendo, ficaríamos todos presos em casa, escolas fechadas, comida distribuída e rendas pagas por Santo Estado até pelo menos dez anos depois do aparecimento das primeiras vacinas. "Os portugueses são hipocondríacos", diz-me S. - Os psicólogos são falhos em vocabulário. Não têm a palavra cobardes, por exemplo. Para dizerem burrice, em contrapartida, usam um eufemismo bonito: inteligência concreta.)
Hoje não vi as notícias. Deixemos para amanhã o que não podemos resolver hoje ou o que herdámos de ontem. Dito de outra forma: amanhã que se desenrasque.
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O P. continua a avançar à velocidade de uma gota de água numa tortura chinesa, pingo a pingo. Espero que a chuva venha depressa.
Isto dito, na verdade estes dias em Genebra têm sido um bênção. Mal saio de casa e com excepção de semana e meia de cadela agarrada aos tornozelos, tenho avançado em várias frentes. A tendinite parece que cedeu, mas não quero deitar foguetes antes da hora.
Sinto-me como se estivesse a jogar um puzzle em que as peças fossem magnéticas e se atraíssem caoticamente. Mas aos poucos vão encaixando correctamente umas nas outras, sem que se perceba porquê.
(E muita sorte tenho eu. Olha se fosse uma das peças e não o jogador...
Na verdade sou uma das peças, mas enfim. Fiquemo-nos por aqui que ficamos bem.)
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.