6.11.20

A cor do verniz e o zeitgeist

Quando estava no Burundi e alguém me vinha com «reflexões» sobre a «selvajaria dos pretos» (aspas porque cito) limitava-me a apontar as ignomínias que se cometiam na então Jugoslávia e a perguntar onde estavam os pretos. Hoje, face ao que se passa nos EUA (e, numa escala infinitamente mais pequena, num cantão suíço onde decorre uma luta - eleitoral, mas com contornos iguais aos dos Estados Unidos - para que uma vila de sete mil habitantes passe de um cantão para outro), não consigo deixar de pensar na «civilização».

«Chassez le naturel, il revient au galop» bem podia ser «escorraçai a biologia...» ou «envernizai a biologia...». «Tentai expulsar um vírus...» inscreve-se na mesma linha: a da obnubilação deste facto singelo: o homem é um produto da natureza e a civilização uma capa de verniz que se lhe põe por cima, um adereço mais ou menos espesso, pronto a saltar à menor oportunidade. A modernidade esquece-o frequentemente e engana-se nas lutas - na cor do verniz. Algumas valem a pena, resistem melhor ao tempo. Outras não. 

Eliminar a natureza da equação, querer mudá-la, torcê-la, moldá-la ao zeitgeist está votado ao fracasso.

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