No curto espaço de um dia aprendi duas novas palavras. Kuchisabichii e hasselback. Têm uma relação longínqua - ambas têm a ver com comida - e outra mais próxima: chegam-me as duas via Facebook, de duas pessoas que não conheço pessoalmente mas de quem aprecio a companhia facebookiana (e a quem agradeço, claro, o ensino). Ambas são evidentes, aquela evidência que nos leva a exclamar «Como não pensei nisto antes?». A resposta é fácil: não pensaste nisso antes porque não és japonês (para uma) nem cozinheiro (a outra). E ambas têm um charme obscuro, quase imperceptível. Tão leve que não se pode exprimir e muito menos explicar.
Kuchisabichii significa «Nâo ter fome, mas comer porque a tua boca se sente sozinha». Hasselback é uma receita de batatas no forno que está neste momento a ser posta em prática na cozinha: talhar as batatas em rodelas finas mas sem as cortar até ao fim (isto é, ficam mais ou menos como um acordeão), pincelá-las com manteiga de cebolinho, levá-las ao forno num prato adequado com um fundo de azeite, dois ou três dentes de alho, alecrim e sal. Ainda não as provei, mas aposto o meu próximo salário em como vão ficar boas (se perder, de qualquer foma só tenho de pagar a aposta daqui a cinquenta anos).
As ditas batatas vão acompanhar uns escalopes que no momento da compra tinham uma vocação de saltimbocca alla romana, mas agora se transformaram simplesmente em escalopes mal passados. Tal é a força das coisas.
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Aviso à navegação: encontrei fenogrego na casa Popat, ao centro comercial da Mouraria. Não hesitem em utilizá-lo para um bocadinho de vinho quente, não se perde nada.
Antes pelo contrário.
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Fui buscar a bicicleta e no caminho para casa parei na Ginginha. Pela primeira vez em décadas era o único cliente. Único. Um. «Lisboa, cidade triste» daria um belíssimo título para um documentário que alegraria, sem dúvida, os que reclamavam contra os turistas. É tão melhor assim, não é? Desespero antes da miséria.
Assim se compreende melhor o conceito de «inteligência concreta» dos psicólogos: a malta que defende estas «medidas», incapaz de pensamento abstracto, só reage perante os números que a comunicação social lhe fornece. Os números da miséria que aí vem, mas que as televisões e os jornais escondem, são demasiado etéreos, suponho.
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A música de Hildegarde von Bingen atravessou séculos intacta, poderosa como sempre foi, encantatória, abissal. As feministas modernas enganam-se: o feminismo existe há séculos. Só que antigamente chamava-se talento. A moderna voracidade lexical trocou-lhe o nome e rebaixou-lhe a exigência.
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Adenda: o meu próximo salário bem pode estar descansado. Ninguém lhe vai tocar. As batatas Hasselback são uma maravilha. Agora basta afinar um pouco as ervas, é tudo. Ou nada: nada há a mudar.
Casamento aprovado, este entre Kuchisabichii e hasselback. Acho que estão feitos um.para o outro.
ResponderEliminarNão tinha,ainda vindo ler o DB. Vinho quente é tentador e próxima ida a Lisboa vou tentar comprar fenogrego.
A música da von Bingen é um espanto, sim. Mas não subscrevo o resto do comentário..
Abraço.