O senhor está sentado numa cadeira ao sol, pensa no tempo que lhe resta, no que passou, conclui que nada daquilo lhe interessa. Tenta simplesmente não se transformar num camaleão, não ficar igual às paredes que o rodeiam, ao verde da erva na qual pousou a cadeira, ao copo de rum que trouxe da cozinha. Deixa-se aconchegar pelo calor, como se fizesse um cobertor de lã com os raios de luz que lhe chegam. Diz a si próprio que ainda tem coisas que fazer, ideias, projectos, objectivos: acabar o livro que há quarenta anos começou, explicar a meia dúzia de raparigas porque as magoou ou o magoaram, arrumar os molhos de fotografias de pelo menos cinco gavetas, dizer finalmente à mulher que ama que sim, ama-a.
Sim, amo-te.
Porque demorou tanto tempo a dizê-lo? Quantos continentes tiveram aquelas palavras de atravessar para lhe chegarem aos lábios? Quantos amores, como aqueles corações gravados nas árvores, atravessados por flechas? "Não iria longe, a minha flecha, com tanta carga. Por isso só agora chegou."
Sim, amo-te.
Deviam ser estas as últimas palavras de toda a gente. Nada mais interessa, nada mais se pode esperar de alguém, nada mais se deve esperar de alguém. "Amei-te" não serve, não substitui correctamente esse verbo na primeira pessoa do presente do indicativo. O passado não é. Não vale. Não foi, sequer, como dizia já não sei quem.
Sim, amo-te.
O vinho aquece nas mãos do senhor, que se esquece de o beber. Sente os raios de sol como se fossem dedos antigos, do passado e tenta identificá-los. Esta é a... esta é a... Depressa abandona o jogo. Não há dedos que valham os que sentirá quando a mulher a quem diz "Sim, amo-te" o ouvir.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.