7.11.20

Nunca mais

Sabes que estás ziguezagueando no labirinto, mas não sabes qual é o labirinto. Tempo e memória são dois enigmas diferentes, dois caminhos distintos. Perdes-te, saltas paredes, passas de um para o outro como se jogasses à macaca. Boa analogia, a sorte é macaca, deixa-te pendurado nas áleas do acaso, não sabes se estás hoje ou a reviver qualquer coisa de que te lembras tão fortemente que te parece que é agora, esta bolha é mesmo uma bolha ou é um quisto, posso rebentá-la ou preciso de o extrair, extrair-me dele, dela, de tudo o que me ficou do que me lembro, não sei se me lembro do que foi se do que é, será, era tão bom quando não tinhas memória, nem tempo, só futuro, compartimento especial do passado, queres dizer comportamento?, não, sim, não sei, não me lembro, amanhã a macaca muda de solo e eu de tempo. Sinto-me como um relógio de sol em dia de mudança de hora. Deixa-me lembrar-te que os teus labirintos não são feitos de horas, mas sim de vidas. Qual a relação de causalidade entre elas? Entre a de agora e a próxima? Uma gesta a seguinte, como se de um feto ainda não sabes a cor dos olhos? Labirintos. Foi lá que tudo começou: tu imóvel e os "muros" faziam-se e desfaziam-se à tua volta. Assim aprendeste a deslocar-te no tempo. Abúlico. És um abúlico equivocado, enganaste-te de pele e vês-te hiper-activo. És tudo e o seu contrário. Tudo se desloca à tua volta e um estranho mecanismo faz-te pensar que és tu a causa desse movimento. Movimento peristáltico? Quem, tu ou o que te envolve? O quisto ou a bolha? Sais de uma e entras no outro, o outro evolui para bolha, perdes-te, não sabes onde estás, sentes-te como aqueles aviadores que sem horizonte não sabem se têm a cabeça para baixo ou para cima. Como os mergulhadores, de resto, às vezes não sabem se descem se sobem. Com oxigénio não se pode descer a mais de oito metros, conhecimento este que te parece bastante útil, cultura geral, far-te-ia sem dúvida ganhar um queijo no próximo natal familiar, caso ainda tivesses natais, jantares, família. Não tens nada disso: tens um deserto no qual entrevês sombras que se aproximam e te acolhem, te recebem, te dizem: estás sozinho mas não te enganes, estamos ao teu lado, do teu lado, sombras familiares, temporais, sombras do passado mas amanhã ainda cá estaremos, basta fechares os olhos para não nos veres mais, nunca mais e nesse dia não te deixaremos, nunca mais.

Nunca mais. O labirinto é bonito, pensas antes de fechar os olhos.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.