Despeço-me de um céu que de repente se põe cinzento. Cor de rato, de burro, de baba de caracol, de odioso. Céu mimético, plagiador, que nem de melancólico merece ser chamado por ser palavra demasiado bonita para o que descreve. As palavras devem adequar-se ao que vêem com os seus olhos escondidos na pele. Devem tomar a forma do que cobrem, como o chapéu do outro: deixou de ser chapéu quando engoliu um elefante e passou a ser cobra. Devem moldar-se como a vista se molda à paisagem, lhe adapta as curvas das colinas, os picos das montanhas, as vagas no mar ou num lago, o verde da planície. E devem ter volume, também. Não gosto de palavras planas como não gosto de céus que de repente se acinzentam, enegrecendo assim os passados que da varanda se avistam.
Não me perguntes, aliás, de que gosto. Não saberia responder-te. Ultimamente, Deus tem andado a jogar aos dados com o universo e deve ter perdido uma fortuna.
Não gosto de dados, por exemplo. Não me perguntes, por favor. Suplico-te. Detesto pedir. Detesto detestar. Este céu cinzento (interior, vê-se imediatamente, não é preciso estenderes-te num sofá) corta-te as asas, não te deixa voar, nem ver nem nada.
A solução seria talvez vestires-te com um fato amarelo, comprares um estojo para violino e desembarcares de um paquete noutro planeta. Alguém te esperaria certamente, se o fizesses. Mas primeiro tens de aprender a dar volume às palavras. Sem elas não há nada que valha a pena fazer ou ver. Nem céu de outra cor.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.