«... Uma coisa é certa: aquilo a que assistimos hoje [da parte da imprensa] é o corolário de um processo que começou há mais de cinquenta anos.
Isto dito, convém não esquecer que a imprensa nasceu, no séc. XVII, com a função de anunciar os incêndios, as invasões, as infecções, as guerras, etc. Anunciar tragédias faz portanto parte do DNA do jornalismo - a tal ponto que em Veneza, aqueles a quem hoje chamamos jornalistas eram conhecidos por «menanti», os ameaçadores.
Não só do DNA, mas também do prato - eram as tragédias que lhes punham o pão no prato; quanto mais tragédias, mais pão e manteiga. Não havia muitas mais fontes de informação credíveis.
Lá para a segunda metade do séc. XX aconteceu uma mudança no modelo de negócios da imprensa. Atribuo essa mudança à televisão, mas não tenho a certeza. Pode tratar-se de simples coincidência cronológica. Ainda não estudei suficientemente o assunto paraa formar uma opinião: a partir dos anos 60, 70, a imprensa deixou de vender informação e começou a vender emoções. Já não chega dizer «há fome na Etiópia». É preciso mostrar fotografias das vítimas, de preferância crianças de barriga inchada e olhar vazio. Os factos já não chegam. É preciso impressionar, comover. Finalmente: a função da comunicação social mudou. Deixou de ser um contra-poder (o quarto poder) para começar a ser defensora do bem e inimiga do mal. (Tudo isto, claro, auto-decidido. Quem define o que é mal e o que é bem é a comunicação social.) Se necessário for, o quarto poder muda-se para o quarto do poder - desde que este esteja do lado do bem, claro. Se estiver do lado do mal, é alvo da fúria dos justos. Os factos passam para segundo plano, face à investida da moral. ...»
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