30.12.20

Diário de Bordos - Lisboa, 30-12-2020

 Por onde começar? Cronologicamente:

- A Ler por aí... fechou. De certa forma, é uma a porta que se fecha, de outra uma que se abre. Prefiro esta versão: um porta que se abre;

- Mais um jantar maravilhoso no Qozco. Um restaurante ao qual é de acorrer em massa, impedir que feche, temos que lutar contra a insanidade ambiente. Sinto-me burro cada vez que lá vou: como não fui antes? Que comida inacreditável de boa, que simpatia no serviço, que tudo de tão bom!

- No caminho para casa, exposição do Sebastião Salgado na rua Augusta. Cada vez que vejo qualquer coisa do homem penso na história do fotógrafo francês chegado a Bujumbura num avião de carga, deitado em cima dos sacos de já não sei o quê. Provavelmente, arroz. Já aqui a contei, deve andar por aí algures. Externalidades: a música horrível, xaroposa e mal tocada de um desses tocadores de acordeão romeno (ou coisa que o valha); a luz, insuficiente a partir de  metade da mostra; a distância entre as fotografias, demasido grandes para o demasiado perto que estavam. Internalidades: sem ser grande fã do senhor, é forçoso reconhecer que é um grande fotógrafo. Não é o génio que a esquerda faz dele nem a nulidade que a direita pinta. Amanhã volto lá.

- Mexi nos botões do telecomando da televisão e descobri que a Mezzo tem (pelo menos) dois canais. Sou de reacções lentas, eu sei; algumas são imperdoáveis, de tão demoradas.  Estou nesta casa há mais de um mês e desde que pus a televisão a funcionar e encontrei a Mezzo nunca mais mexi nos canais. No Mezzo que até agora tenho ouvido desde esse dia, um músico falava da desigualdade de salários entre homens e mulheres. Faço parte daquele grupo de pessoas para quem os músicos devem fazer música, coisa em que são normalmente muito bons (pelo menos aqueles de quem gostamos) e não devem falar, actividade em que deixam invariavelmente a desejar. Tudo o que vá para além de «Hello, are you allright?» no palco é prescindível. (No limite, mesmo esta pergunta o é. Já todos sabemos a resposta.) O único músico que valia a pena ouvir falar era Leonard Cohen e esse já não pode fazê-lo, para generalizada lástima da humanidade (e Frank Zappa, às vezes). De maneira atirei-me a um dos telecomandos (as televisões agora têm dois, suponho que por uma questão de igualdade de género ou de paz nas famílias) e tenho música decente, uma senhora cujo nome ignoro a cantar scat (e palavras) sumamente bem, acompanhada por um pianista assertivo, como agora se diz, um baixo que faz aquilo que todos os bons baixos fazem - fazer-se ouvir sem se fazer ver - e um baterista para cima do correcto.

- Tudo isto acompanhado por um vinho tinto da Adega de Vila Real, um real vinho da adega, um real prazer da vila, uma delícia de tinto que me trouxe à memória um senhor da «Bila» (aspas porque cito) que gosto de ler, as francesinhas de um restaurante dali que eram tão boas que voltei lá para ter a certeza (eram). Preciso de voltar para Palma - todo o meu cérebro mo pede - mas um dia descobrirei que o caminho entre dois pontos aleatórios deste planeta passa por Portugal todo, de sul a norte, em ziguezague como se estivesse à popa arrasada (ou à bolina cerrada, para quem preferir).

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