O problema é a pressão social, ampliada pelas "redes sociais" (aspas porque cito). Voltámos ao tempo das aldeias, só que agora não conhecemos os vizinhos. Sou um optimista: acredito nos pêndulos e na rebeldia. Esta nunca morrerá, aqueles nunca cessarão. C. diz-me que a sinusóide é atenuada e que o pêndulo parará. Sim, claro, mas não será amanhã a véspera. E que fosse. Nada podemos fazer, se não manter a dignidade, a calma. Levamos o féretro ou só o vemos passar? Com um pouco de rebeldia, talvez consigamos alterar-lhe a trajectória. A verdade é que a nossa civilização já morreu mil vezes, desde os gregos e a seguir os romanos, os bárbaros, a Idade Média, a Renascença... Nunca deixámos de morrer e de continuar vivos.
A civilização ocidental não vai durar sempre, claro. Mas não serão os novos dogmas a dar cabo dela. Todas as sociedades vivem de e com mitos. Há palermas que acreditam no poder salvífico dos automóveis eléctricos, na "pegada ecológica" (aspas porque não gosto de palavrões), no "género" (ditto), no poder do homem para mudar o clima? Sempre houve palermas e mitos. Já se queimaram mulheres por andarem montadas em vassouras, ou se acreditou que as doenças eram provocadas pelos pecados dos homens. Já se pensou que a Terra era o centro do universo ou que os corpos mais pesados caem mais depressa do que os outros. (No vazio não caem, mas sem vazio é difícil acreditar nisso.) E nada nem ninguém impediu Galileu, Copérnico, Spinoza, Mozart, Beethoven, von Bingen, Agostinho, Bach, Einstein e tantos outros de existir. A inteligência não vai desaparecer, vai simplesmente mudar. Talvez no futuro um teste de QI seja feito baseado em jogos de computador, caso em que qualquer puto de hoje bateria qualquer Wittgenstein. Mas não deixará por isso de ser inteligente.
Quando as mudanças apareceram nas bicicletas, muita gente reclamou: o "verdadeiro" ciclismo era em bicicletas sem mudanças (e de cubo fixo, ainda por cima). Não é. Salva a possível excepção do doping, o ciclismo de hoje é tão verdadeiro como o do passado. O futuro não será necessariamente melhor do que o presente, mas tão pouco será pior.
Não sei. As civilizações acabam, sem dúvida. Não me parece que o fim da nossa esteja ao virar da esquina. Seria uma lástima que o ultimo acto ficasse associado a um estúpido vírus que não sabe sequer fazer mal a quem não padece de outras (muitas e graves) maleitas. É verdade que a estupidez - ou melhor, a histeria - que este vírus revelou pode legitimamente levar a pensar que o fim está próximo. Uma civilização com os meios técnicos da nossa não consegue reagir racionalmente a isto?
Desde a Idade Média que andamos a lidar com histerias colectivas (documentadas. Não registadas deve ter havido muitas antes disso). Esta não é diferente. Não mudámos. Não vamos desaparecer amanhã. Vamos continuar a ser os homens imperfeitos que sempre fomos, nem melhores nem piores.
E sim, sobreviveremos à pressão social, porque a razão e a rebeldia não desaparecerão. Afinal de contas, estão connosco há milhares de anos. Jesus, esse magnífico rebelde, limitou-se a consolidá-las, a dar-lhes um âmbito mais vasto.
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