3.12.20

Reinaldo Ferreira

«A que morreu às portas de Madrid, 
Com uma praga na boca 
E a espingarda na mão, 
Teve a sorte que quis, 
Teve o fim que escolheu. 
Nunca, passiva e aterrada, ela rezou. 
E antes de flor, foi, como tantas, pomo. 
Ninguém a virgindade lhe roubou 
Depois de um saque - antes a deu 
A quem lha desejou, 
Na lama dum reduto, 
Sem náusea mas sem cio, 
Sob a manta comum, 
A pretexto do frio. 
Não quis na retaguarda aligeirar, 
Entre «champagne», aos generais senis, 
As horas de lazer. 
Não quis, activa e boa, tricotar 
Agasalhos pueris, 
No sossego dum lar. 
Não sonhou minorar, 
Num heroísmo branco, 
De bicho de hospital, 
A aflição dos aflitos. 
 Uma noite, às portas de Madrid, 
Com uma praga na boca 
E a espingarda na mão, 
À hora tal, atacou e morreu. 

Teve a sorte que quis. 
Teve o fim que escolheu.»

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.