2.1.21

Diário de Bordos - Lisboa, 02-02-2021

É certo que a carne, o chouriço e o nabo vieram do talho O Naco (também tem alguns artigos de mercearia) mas isso não chega para explicar a totalidade do total. A sorte teve uma fatia de leão. Comecei por refogar metade de um cebola, juntei-lhe a carne picada (metade vaca, metade porco), acrescentei um alho ou dois, deixei secar, flambeei com umas gotas de aguardente, juntei vinho branco, deixei reduzir um bocadinho, acrescentei umas rodelas de chouriço, uma lata de ervilhas (com o líquido e tudo) um nabo às rodelas e respectivos grelos (são pelo menos tão bons como os outros, se não melhores), pimenta preta em grão. Deixei cozer a lume muito fraco, pensando «isto vai tudo para o lixo, que chatice». 

Bem, não só não foi como até está bastante bom, dentro do género «comida para a mina». O nabo e seus grelos dão o tom maior, a pimenta o contraponto, o ritmo vem da carne e a melodia das ervilhas. Isto bem estudado dará qualquer coisa.

Entretanto, no forno pus um franguito do campo, com limão, sal e alecrim (e pimenta preta em grão). Está a cozer à nórdica, a setenta graus. Ainda falta um bom par de horas para ficar pronto. A ver. Cada vez acredito mais no fogo lento, para a cozinha (e para tudo, mas isso são contas de outro rosário).

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Entretanto, fui brincando com o telecomando e acabei a ver televisão. É uma experiência que não tenciono repetir. Vi a entrevista de uma senhora que passa por ministra da justiça. Diz que mandou uma carta que afinal não e uma carta - é uma nota; confidencial que afinal não o é - está na televisão; e tinha três «lapsos» - curiosamente, os «lapsos» eram todos a favor do candidato que o governo defendia. É como aqueles senhores das feiras que se enganam no troco, mas é sempre a favor deles, nunca do cliente. Bolas, a senhora bem podia ter disfarçado e feito um lapso em desfavor do homem. Assim sempre nos ajudava a acreditar na tese dos «lapsos». Bom, que se lixe. Tão cedo não volto a tocar no telecomando, excepto para ligar e desligar o aparelho. Descobri que a televisão tem rádio, descoberta que será útil se um dia quiser ouvir a Antena 2. 

Bem sei que não sou exemplo de nada para ninguém, mas confesso que não percebo como há pessoas que conseguem ver televisão todos os dias. A S. vê, diz que a descontrai. Há muita gente assim, a julgar pelas «audiências». Só comecei a «ver» quando descobri o canal Mezzo, há uns anos - e estou numa casa a) que tenha televisão e b) e me deixem ouvi-lo. É melhor do que uma rádio porque falam menos e a música é sistematicamente boa. Na rádio nem sempre.

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Continuo a reler os Chemins de sagesse, do Attali. Gostei mais da primeira leitura. Agora parece-me um pouco a cair para o verborreico. Mas não deixa de ser interessante, estimulante. Gosto de labirintos: são uma bela maneira de me rever num livro. 

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A paralisia estendeu-se às arrumações que tinha previstas para hoje. Sinto-me como se estivesse de pés e mãos amarradas. Fui beber um mojito à brasileira da rua Verde (?) e fui-me deixando levar. De repente aquilo ficou desagradável: era uma e meia e a senhora estava inquieta por causa da hora de recolher. Estas restrições transformam-nos a todos em adolescentes, com a agravante de que nem sequer é de noite. Uma e meia da tarde, não da manhã. 

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O meu corpo continua a fugir de mim. Ele que não preste atenção, não: ainda acaba num buraco.

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