28.1.21

Diário de Bordos - Lisboa - Porto - Lisboa, 28-01-2021

De um ponto de vista puramente ciclista, a primeira visita da elegante Coluer (também conhecida por Belladonna) ao Porto foi uma experiência ambivalente. A ida até à clínica que - espero - me vai devolver a visão e (sonhar é preciso) pôr os óculos no caixote de lixo da história foi uma maravilha-menos. O menos sendo devido apenas à chuva miudinha que me enchia os óculos de água. De resto, o passeio foi uma delícia. Fui o tempo todo a dizer Amo-te Porto e a declinar essa oração de todos os modos e feitios.

A vinda foi mais complexa. Vim pela avenida da Boavista (a clínica fica ao lado do Castelo do Queijo), já noite, com a visão ainda mais reduzida por causa das gotas para os exames e a servir de alvo aos automobilistas que, aparentemente, ganham pontos na carta de condução por cada razia  que fazem a um ciclista. Quanto mais perto, mais pontos. Se a faixa da esquerda estiver vazia, os pontos contam a dobrar. (Vazia de vazia mesmo, como uma garrafa de whisky ao fim de meia hora nas mãos do capitão Haddock.) O chuvisco ligeiríssimo da ida transformara-se em chuva fraca. Demorei um pouco menos de quarenta minutos, que ficarão para a história (a mesma dos óculos) como o mais longo período em que tive medo montado numa bicicleta. Ultrapassa largamente o anterior, o qual aconteceu quando tive de dar a volta à Praça de Espanha, logo por azar num dia em que os manicómios tinham aberto as portas e mandado os pacientes para a rua conduzir automóveis. 

Cheguei a tempo à estação de S. Bento. Na de Campanhã, foi-me possível comprar meio frango - bastante bom (digam comigo: amo-te Porto) - e uma garrafa de vinho que por indelicadeza do acaso vai fechada. Não tenho saca-rolhas e o revisor também não. A CP está cada vez pior. Isto de os revisores andarem sem um saca-rolhas para acudir aos casos mais desesperados é incompreensível. Aposto que a culpa é de Passos Coelho.

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Em todos os outros aspectos - só há mais um, o plural é majestático  - foi uma maravilha. Regresso a Lisboa com a data da operação marcada, com a certeza de estar em boas mãos e com a impaciência acalmada e ao rubro, simultaneamente. Impaciência schrödingeriana, por assim dizer. É a  melhor de todas, a seguir à que está simplesmente acalmada. 

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O tempo no comboio passa depressa. O revisor ainda só me chateou uma vez por causa da máscara - num comboio vazio e com ninguém a menos de cinco metros, no mínimo, é importante usar máscara em cima do nariz, para proteger os velhinhos nos lares, o SNS e o bem estar do nosso primeiro-ministro, que não deve ser beliscado só por  causa da tortura e da miséria que nos está a infligir. Ainda por cima, com o nosso (deles) consentimento, aprovação e alegria.

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A máscara está para mim como o Chega para as forças do bem.

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O meio frango do Eusébio dos frangos é uma maravilha. Às pessoas que tiverem de apanhar o comboio para Lisboa nestes tempos de escuridão, sugiro fortemente que comprem ali o farnel. (O picante mal se sente. É preciso pedir muito. E saca-rolhas, guardanapos e talheres.)

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O Porto é uma cidade linda e aposto que em breve aprenderá a conviver com ciclistas. Nesse dia será perfeita - ou, pelo contrário,  ter-se-á tornado igual a todas as outras, vá saber-se.

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