As garrafas de vinho têm a propensão - bem conhecida por toda a gente - de terminar no pior momento. Isto é, quando mais precisamos delas. Com o tempo aprendi a gerir-lhes os ritmos e as vontades. Ver uma garrafa esvaziar-se no preciso instante em que acabo de comer, ficando portanto com um copo cheio para a pausa pós-prandial é um triunfo nada despiciendo.
Sobretudo quando o almoço - umas rodelas deste chouriço extraordinário que me provém do talho O Naco, nunca por nunca ser o esquecerei - meia cebola, meio pimento encarnado, umas folhas de louro da frutaria (está para as frutas e legumes como o talho para a carne), dois dentes de alho esmagados, duas malaguetas do mercado da Ribeira, tudo isto refogado num pouco de azeite e outro tanto de banha. Lentamente. Devagarinho. A fogo brando. Quando estava tudo quase, acrescentei a carne picada, já misturada com alecrim e uns grãos de pimenta preta. Deixei refogar outra vez. Acrescentei vinho branco, cozeu devagar. Quando o devagar estava quase a acabar, fiz um arroz branco. - Acabou agora, ainda tenho o copo cheio, o palato grato, o pasmo intacto. (O sobretudo do almoço perdeu-se algures no caminho. Deixemo-lo.)
Ontem fiz entrecosto no forno em vinho branco, limão, alho, coentros e salsa e ficou bastante agradável, do que resulta que isto de gerir as durações do tinto vale a pena para não termos de sair a meio - tanto mais agora que o senhor da esquina já não tem vinho de Vila Real, o que prova que Deus não trata bem de quem Dele não trata, como eu (nem Deus nem a Cooperativa de Vinhos de Vila Real, mas isso é outra história). Agora bebo um alentejano que escapou ao raz-de-marée dos vinhos redondos, mas anda lá perto. (E tenho duas garrafas de um «biológico» das Beiras ali atrás, não vá o diabo tecê-las, mas essas estão guardadas para quando houver visitas.)
Os dias desenrolam-se entre ir às compras e consumi-las, com alguns entreactos e entrecostos de permeio.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.