7.2.21

Marieke, ou O nascimento do amor - II (Fim)

Marieke transformou «quero foder» em «quero foder-te». Não houve maior metamorfose na minha vida, nem gramática nem existencial, seja qual for o aspecto dessa vida que considere. De caminho, deu outra dimensão ao verbo foder, que deixou de ser uma actividade física. 

- Cala-te com a física, homem. Mete a física - oiço-a dizer. - E despacha-te, porque me fizeste a mesma coisa.

Pedro e ela morreram num acidente de automóvel, um dia a caminho da quinta, onde agora vivo sozinho. Talvez a solidão não seja uma escolha, talvez seja como a chuva, algo que não escolhemos mas aceitamos por ausência de alternativas. Vendi o ADN e vim para a quinta, aprender a distinguir uma oliveira de um carvalho, um eucalipto de um plátano. No estúdio de Marieke descobri uma série de quadros de mim, feitos a partir de fotografias. Nunca mos mostrara nem sequer me falara deles. Talvez a solidão seja um segredo que não partilhamos senão excepcionlmente, um segredo que só alguns merecem. Nunca mais fiz amor com - ou a - uma mulher. A pele é um prolongamento do cérebro, não há uma muralha entre este e o resto do corpo. Tal como não há uma muralha entre o presente e o passado. Organizei a herança da quinta: vou deixá-la aos empregados, constituídos em cooperativa. Deixei-lhes como obrigação serem rentáveis, poderem viver decentemente daquilo. Os quadros ficam: não tenho coragem para os queimar, dar ou vender. Eles que façam o que quiserem. Levei três anos a organizar tudo, a organizar-me, a perceber que a solidão não tem remédio. Não é substituível, por assim dizer. Excepto, claro, pela morte, para a qual me preparo como um marinheiro se prepara para uma tempestade: sabendo que é o elo mais fraco da cadeia e que tem a obrigação de fazer tudo para lhe sobreviver. Para mim, essa obrigação chamava-se Marieke e Pedro e desapareceu num amontoado de lata. 

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