Isto tudo dito, não sei de que resta calar-me. Dos corpos que amei e dos que se me recusaram? Dos dias que podiam ter sido felizes e dos que o foram? Da música que podia ter feita e da que ouvi? Do mar, que me fez e eu fiz como quem entretece um tapete esperando pelo amante sem se aperceber de que o amante é o tapete? Do vinho que bebi, rum que me bebeu, Sol que me encheu os dias e Lua a vida? Selenita calado, pós-calado, ante-moderno, marciano perdido, venusiano reencontrado, homem falado que ninguém ouviu porque não havia ninguém nas redondezas, homem simples, braços caídos ao longo do corpo fino, quase transparente?
Isto tudo dito, que falta calar?
Nada. Tudo.
Tudo calado, tudo dito, tudo embalado e pronto a seguir, tudo espantado: haverá palavra que não tocaste? Sentimento que não viveste? Morte de que fugiste ou de ti fugiu, cada qual mais branco do que o outro? Que sabes do que ficou por dizer? Que sabes do que ficou por viver? Do que ficou por nascer, por morrer? Que sabes, dos interstícios entre silêncios e palavras?
Imagina um soalho juncado de restos, ruínas, objectos desfeitos, quebrados, avariados, rasgados: como dele distinguirias os silêncios e os outros? Os visíveis dos invisíveis?
Como de uma pele distinguirias outra, se não soubesses o que lhes está por trás?
Como fazes, para do caos fazeres ordem e esta retornares ao caos? Como fazes, para disto tudo tirares sonho, vida, amor, mar, Sol, Lua, música, livros, comida, um ventre ou outro?
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.