1.4.21

A tentação securitária

As latas de conserva já não têm bordos cortantes. Alguém se preocupou em torná-las inofensivas. Alguém nos tratou como crianças? Não. As crianças aprendem e aprendem depressa. Basta cortarem-se uma vez ou duas  numa lata e aprendem. Alguém se preocupou em tratar-nos como idiotas; alguém pensou que não se consegue suportar um corte num dedo nem aprender a evitá-lo.

Confesso que a história das latas me é relativamente indiferente. Cortei-me como toda a gente umas poucas de vezes e nunca atribuí a isso grande importância - como não atribuo às que agora têm bordos que não cortam. O que me inquieta verdadeiramente é que essa preocupação não acaba nas latas. Estende-se, por exemplo, à falta de fé na capacidade de o sistema imunitário da esmagadora maioria das pessoas responder por si a um vírus que se sabe ser-lhes inofensivo. E a muitas outras coisas: a desresponsabilização atingiu níveis inconcebíveis. Ele é atravessar uma rua: há sinais para peões, porque estes obviamente não têm olhos para ver e cabeça para julgar. Ele é o aviso sobre a temperatura elevada do café nos recipientes (pelo menos nos EUA); ele é um sem número de situações nas quais alguém pensa sistematicamente que somos incapazes. 

O que me inquieta é a aceitação bovina desse statu quo, como se fosse normal. Como se fôssemos todos incapazes e irreponsáveis. Como se? A continuar assim, em breve sê-lo-emos, todos.

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