1.4.21

Misantropia prática

Tal como uma das grandes dificuldades que os darwinistas tiveram foi fazer aceitar o acaso como motor da evolução - a girafa não tem o pescoço comprido para comer as folhas mais altas das árvores. Come-as porque tem o pescoço comprido - compreendo que esta vastíssima e profundíssima mistura de acaso, incompetência, histeria, estupidez, ignorância e zeitgeist seja mais bem absorvida se lhe for atribuída um objectivo, uma necessidade. Não sou historiador, mas penso não me enganar se disser que nunca na História se viveu tão inverosímil e abrangente mescla. 

Não, caros colegas cépticos: não há ninguém a coordenar isto, não há objectivos escondidos, não há um diabo a manipular o Costa, o Macron, o Johnson ou o Sanchez. A menos que por diabo designem, claro, a incapacidade deles, a pequenez, a miséria, a capacidade que as pessoas têm de trocar a liberdade por um ersatz de segurança, a inimaginável aceitação do absurdo (suponho que mesmo os mais ferrenhos apoiantes das «medidas» reconhecerão o absurdo delas) e - sobretudo - a incalculável reserva de maldade que se esconde na maioria dos seres humanos. A haver um diabo, talvez seja a crueldade com que se aceita o que se está a fazer a crianças impedidas de brincar e aprender, a velhos impedidos de abraçar quem amam e os ama, a adultos impedidos de trabalhar e reduzidos à categoria de pedintes. 

A misantropia ontológica é uma coisa; vê-la mais do que justificada na prática outra, bem pior.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.