12.6.21

Tempos interessantes?

A modernidade erigiu o medo em virtude suprema. Ter medo é bom, é ser inteligente, altruísta, pensar nos outros. Já não se pode "negociar" com o medo (que é o que os valentes fazem. Ser valente não é não ter medo. Isso é ser idiota. Ser valente é lidar com o medo). Tem que se destroçar o que provoca o medo, destruir a causa do medo, aniquilá-la, reduzi-la a nada, suprimi-la. Ser valente, enfrentar o medo é ser irresponsável - e pior ainda, irresponsável social. Ninguém é nada pessoalmente: somos todos parte de um grupo, de uma "identidade".

O medo como valor, a biologia relegada para o caixote de lixo da ideologia, a mentira aceite se for em nome do medo, da paz social ou de outra fé qualquer, a crença no poder da palavra («os confinamentos funcionam porque funcionam, porque Macron diz que funcionam e porque Trump ou Bolsonaro dizem que não funcionam», por exemplo. Mas há muitos mais). Ouvir é preferido a ver, a olhar, a procurar: privilegia-se a passividade - o que não é de espantar: a única acção socialmente aceite passa-se nos monitores dos computadores. À rua, as crianças só vão acompanhadas, protegidas. O pensamento mágico ressurgiu, reemergiu após este breve período de racionalidade que o Ocidente viveu no século XIX e na primeira metade do XX.

Como é aquela maldição chinesa sobre viver tempos interessantes?

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