27.7.21

Como será?

Num dos muitos dias em que não morreu, João Miguel foi ao mercado comprar sal, vinho tinto e coentros, beber vinho branco e vermute e ver os amigos. João Miguel é um rapaz sensato, pintor (de paredes), que tem «a sorte de estar desempregado» (aspas porque o cito) e gosta de passear a sua - para mim incompreensível - «sorte» pela nossa cidade. Está casado com uma rapariga conhecida - apresenta um programa de televisão, se não me engano (não vejo televisão e não posso asseverar a veracidade de tudo o que me dizem. Acresce que a vida dos outros me interessa dolorosamente pouco e a de João Miguel não é excepção).

João Miguel, a mulher, os quatro filhos deles e eu vivemos - com mais quinhentas mil pessoas, mais coisa menos coisa - nesta cidade. «Toda a gente» se pergunta como é que um pintor de paredes está há tanto tempo casado com uma «celebridade». Eu não. São assuntos que me interessam pouco: cada um casa-se com quem quer ou com quem pode. Se ele suporta a mulher e se esta o suporta a ele - isto é, se se suportam mutuamente; se educaram correctamente os filhos; se se entendem em todos os lugares onde um casal deve entender-se - a saber: na cama, na cozinha, na sala, na rua e em casa de terceiros - não há razão alguma para eu me intrometer na vida deles. Se nada disso acontece, então ainda menos razões há para que as suas vidas sejam objecto de interesse ou tema de conversa nas tabernas.

De momento, escapa-me o nome da mulher. Creio que é Ana, mas não tenho a certeza. Como disse, interesso-me pouco pela vida dos outros. Já a ida de João Miguel ao mercado me atrai e muito: o rapaz está desempregado, não gosta de viver a expensas da mulher e vai, voluntariamente, expor-se a uma Via Crucis - dizer olá a toda a gente que conhece sem poder parar para beber um copo? Ou beber só um quando quer beber dois? Ou comprar coentros quando o que quer é secretos de porco ibérico a vinte e oito euros o quilo?

A explicação é simples: nos dias em que não morre, João Miguel vai ao mercado saber como será quando morrer.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.