7.7.21

Diário de Bordos - Colonia San Jordi, Mallorca, Baleares, Espanha, 07-07-2021

Fui ver a exposição da Clara Ramalhão ao Porto. O título é Só Neste Porto Só. Título bonito e evocador. Gosto muito de algumas fotografias, pouco de outras, acho algumas coisas dispensáveis – as legendas das fotografias, por exemplo – mas penso que a exposição deve ser vista. Isto é: sai-se de lá mais rico do que se entrou. Para começar, os retratos: são óptimos. Retratam; tem-se a impressão de se conhecer os retratados ou se não de os querer conhecer. Depois, o tema. Não é original – fotografias das cidades vazias por esse mundo fora durante os confinamentos contam-se aos milhares de milhões, suponho – mas demonstra à excelência uma ideia que me ocorreu durante o primeiro período de clausura: as cidades são feitas de pessoas, não são feitas de pedras, ruas ou monumentos. São as pessoas que fazem as cidades, lhes dão vida e história. Um pai e um filho a pedalar de costas para a objectiva numa rua da Ribeira, à noite, parecem levitar. Efeito feliz da luz, mas sobretudo efeito feliz do movimento: são as únicas personagens, para além das pedras da calçada e das paredes das casas. Sem eles, sem aquela luz que os sustenta, a fotografia não seria muito diferente da de qualquer turista mai-lo seu telefone portátil. O mesmo se passa com o retrato da senhora a fazer o sinal da cruz, com o do vagabundo que se esconde: o Porto é eles, são essas pessoas e as respectivas histórias, que a Clara soube captar.

Uma das coisas que acho interessantes na exposição é um tema que a priori me arrepia: a fotografia no feminino. No fim dos anos setenta, princípio dos oitenta conheci na Suíça uma fotógrafa chamada Simone Oppliger. Foi a primeira vez que senti uma diferença entre a fotografia feminina e a fotografia masculina: a Simone não usava máquina e filmes (na altura) para fotografar. Usava sentimentos. Dito assim isto parece piegas, palerma e banal, eu sei. Mas foi o que me ocorreu quando via as fotografias que ela fizera de La Chaux-de-Fonds, uma cidade que naqueles anos não estava deserta mas andava lá muito perto. Com as fotografias da Clara tive exactamente a mesma sensação. Aposto que se fizesse à Clara as perguntas que fiz à senhora suíça obteria exactamente a mesma resposta: «não sei».

Eu sei: ide ver a exposição, vede a tristeza que é uma cidade vazia ou – pior ainda – pessoas a quem roubaram a cidade. O que não tem relevância pode facilmente ser deixado de lado sem que se note muito a perda.

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Primeiro charter desde Agosto de 2019. Praticamente dois anos. O prazer é o mesmo de sempre, a exaustão mil vezes superior. Há dias o A. R. dizia-me que tinha inveja das pessoas que fazem o que eu faço. Tendo a concordar com ele – é sem dúvida invejável (excepto quando se vem jantar a um restaurante que cobra quase vinte euros por uma pata de polvo; a qual pata estava, ainda por cima, sublime. Antes estivesse má). Suspeito contudo que ele não sabe da missa a metade. Tenho trabalho praticamente ininterruptamente até meados de Setembro. Vamos ver como estará a carcaça após dois meses e meio deste ritmo. Quando era mais novo e trabalhava assim saía liquefeito. Agora vou chegar ao meu aniversário em estado gasoso, suponho.

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Tive sorte com os clientes: são adoráveis. Ao menos isso. Um gajo esfalfar-se para tipos que não merecem nem uma gota de suor é chato. Estes merecem-nas todas. O bote é um Hanse 575. Não é a primeira vez que navego em Hanse, uma barca que tem tudo o que as outras têm, mas pela metade, passe a auto-citação. Pergunto-me se sendo maiores a proporção diminui. Não faço ideia. De qualquer forma uma coisa que detesto é encorajar as críticas dos clientes. Tento sempre defender as empresas que me pagam patas de polvo exorbitantes, por isso passei o dia a dizer-lhes que as coisas não são assim tão más como eles dizem (são piores, mas isso tão pouco lhes digo).

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Pouco a pouco, o meu optimismo indomável começa a pensar que talvez tenha razão, desta vez. O Reino Unido vai levantar as «medidas», os EUA já o fizeram. Os vendedores de medo, «especialistas», políticos, jornalistas serão um dia desmascarados? Penso sinceramente que sim, mesmo sabendo que este «penso» tem uma dose muito grande de «espero». A comunicação social é por definição desprovida de vergonha e se um dia descobrir que denunciar esta fraude lhe traz audiências fá-lo-á sem hesitar um segundo.

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A escala de hoje é na Colonia de San Jordi. Vim calhar ao mesmo restaurante dos passageiros e respectivos amigos. Um deles veio dizer-me que é o melhor do sítio. A mim foi-me recomendado por ter produtos locais e não ser caro. Na primeira parte acredito; na segunda, estou para ver. Duvido, mas como sou optimista - espero.

Os mosquitos acorrem, o que é sempre bom sinal. É como ver camiões parados num restaurante de beira da estrada, não é? Não. Vou sentar-me no interior, pode ser que não me sigam.

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A propósito: serviço público. O restaurante chama-se Hostal la Playa, se por acaso.

2 comentários:

  1. Achei muito interessante atualmente esta sua postagens.
    Vida cap resultado Abraços ;) !

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  2. Achei muito interessante atualmente esta sua postagens.
    Número do Bruno Berti Abraços ;) !

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.